segunda-feira, 26 de março de 2012

Meninos

Para Vitor, Lucas, e todas as crianças que estão dentro de nós!

Cantoria - Saga da Amazônia

Obra clássica da música regional brasileira, o disco Cantoria, com Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai. O disco inteiro é espetacular, simplesmente um dos melhores que já ouvi. Em uma das músicas, Vital Farias conta a história da Amazônia englobando tanto o problema ambiental quanto social de uma forma tão elegante, tão inteligente e simples que arrepia. Vocês verão!
A fina flor da música brasileira.



Saga da Amazônia

Era uma vez na Amazônia, a mais bonita floresta
mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
no fundo d´água as Iaras, caboclos lendas e mágoas
e os rios puxando as águas
Papagaios. periquitos cuidavam de suas cores
os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores
sorria o Jurupari, Uirapuru, seu porvir
era fauna, flora, frutos e flores.

Toda mata tem caipora para a mata vigiar
veio caipora de fora para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro pra comer muita madeira
e trouxe em estilo gigante prá acabar com a capoeira.

Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
pro dragão cortar madeira e toda a mata derrubar
se a floresta, meu amigo, tivesse pé pra andar
eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.

O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar
e o fruto que dá no cacho pra gente se alimentar?
Depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar
igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar

Mas o dragão continua na floresta a devorar
e quem habita essa mata pra onde vai se mudar?
Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá,
tartaruga, pé-ligeiro, corre corre tribo dos Kamayurás.

No lugar que havia mata hoje há perseguição
grileiro mata posseiro só pra roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até peão
afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé de Nana tá de prova, naquele lugar tem cova
gente enterrada no chão.

Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro
disse um castanheiro para um seringueiro que o estrangeiro
Roubou Seu Lugar

Foi então que o violeiro chegando na região
ficou tão penalizado que escreveu essa canção
e talvez, desesperado com tanta devastação
pegou a primeira estrada, sem rumo sem direção
com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
dentro do seu coração

Aqui termina essa história para gente de valor
pra gente que tem memória, muita crença, muito amor
pra defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta
Era Uma Vez Uma Floresta Na Linha Do Equador.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Mohandas Karamchand Gandhi - "Mahatma"

Deparei-me hoje com um livro que havia dado a minha mãe sobre Gandhi. Não há como não fazer uma menção modesta aqui no blog. Modesta porque creio que qualquer coisa que se escreva ou fale sobre ele assim o será sempre, em vista da magnificência de caráter e atos deste homem.
Li sua autobiografia há algum tempo. Recorro às palavras de Eistein para traduzir a grandeza da personalidade de Gandhi: "Será difícil para as gerações futuras acreditar que uma pessoa como essa, em carne e osso, andou sobre a Terra".
Para os leitores que pouco sabem sobre Gandhi farei uma breve história de sua vida, para quem já o conhece que sirva de memória, que vale sempre a pena resgatar.
Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em 2 de outubro de 1869 em Porbandar, Guzerate, Índia. Seus pais eram hindus, e seu pai era o primeiro-ministro local, uma espécie de prefeito. Casou-se com Kasturba em um casamento arranjado, como de costume, aos treze anos. Logo depois foi para Londres estudar direito. Lá teve o primeiro contato com duas leituras que iriam se tornar uma espécie de guia pessoal: O Baghavad-Gita e o Evangelho, mais precisamente o Sermão da Montanha. Formou-se advogado em 1891 e voltou para a Índia. Devido a sua timidez, não conseguiu desempenhar bem o seu trabalho, então aproveitou uma oportunidade para trabalhar em uma empresa indiana na África do Sul. Logo chegando ocorreu um fato que segundo ele próprio mudou completamente sua visão da vida, o embrião dos seus feitos humanísticos: ao pegar um trem para o Transvaal, o guarda que fiscalizava o comboio o viu, e começou a bater-lhe e xingar-lhe sem o menor motivo aparente. Parou o trem e o expulsou a pontapés. O motivo: sua pele escura não lhe permitia viajar naquele vagão. Foi incansável na luta pelos direitos dos imigrantes indianos, e iniciou sua doutrina de resistência pacífica contra a injustiça, o Satiagraha, ou "O caminho da Verdade", o que lhe custou várias prisões ao longo de sua vida. Em uma de suas prisões, em 1907, foi obrigado a trabalhos forçados por dois meses. Trocava correspondências com Leon Tolstói, um dos seus ídolos, e este lhe indicou a leitura de Thoreau. Começa a idéia da desobediência civil, uma das mais poderosas "armas" de Gandhi. Começou a perceber cada vez mais as possibilidades infinitas do "amor universal".
Retorna à Índia em 1915, após mudar radicalmente a vida dos indianos na África do Sul. Inicia sua longa e incansável batalha com a Grã-Bretanha pela independência de seu país. Jamais teve sua convicção de não-violência e tolerância religiosa abaladas, mesmo em situações de extrema violência por parte do governo e do povo. Quando seus compatriotas muçulmanos ou hindus cometiam atos de violência - entre si ou contra os ingleses - ele jejuava até o conflito cessar. Foi chamado de "tropa de paz de um homem só" pelo vice-rei da Índia. A independência chegou em 1947. Porém, para desespero de Gandhi, o país foi dividido em Índia hindu e Paquistão muçulmano. Ele passou os últimos meses empenhado em extinguir a terrível violência que se seguiu. Jejuou até quase morrer, mas pôs fim aos conflitos. Em 30 de janeiro de 48, aos 79 anos, passava por um jardim apinhado de gente para fazer suas preces vespertinas, quando Nathuram Godse, um hindu radical que responsabilizava Gandhi pelo enfraquecimento do novo governo ao insistir no pagamento de certas dívidas ao Paquistão, o assassinou a tiros. Seu corpo foi cremado e as cinzas jogadas no Ganges. Deixou como herança sua fiadeira, seus óculos, a bengala e o exemplo que a humanidade e bondade venceu o maior império da Terra até então.
Nunca venceu o Nobel da paz, ainda que tenha sido sido indicado 5 vezes. O erro foi reconhecido pelo comitê organizador décadas depois, na entrega do prêmio a Sua Santidade O Dalai Lama. O presidente do comitê falou que o prêmio era "em parte um tributo à memória de Mahatma Gandhi".
Foi reconhecido por seu povo e pela humanidade sob o título de "Mahatma", ou A Grande Alma.

"Nada tenho de novo a ensinar ao mundo. A verdade e a não-violência são tão antigas quanto as montanhas. Tudo que tenho feito é realizar experiências em relação a uma e à outra, da forma mais abrangente possível. Ao fazê-lo, às vezes cometi erros - e aprendi com eles. A vida e seus problemas tornaram-se pra mim experimentos na prática da verdade e da não-violência..."

"Não tenho a menor sombra de dúvida de que qualquer pessoa, homem ou mulher, pode alcançar o que alcancei. Basta fazer o mesmo esforço e cultivar a mesma esperança e a mesma fé."

"A força não vem da capacidade física, mas de uma vontade indomável".

"É pelo fato de todos reivindicarem o direito de livre consciência sem exercer qualquer disciplina que há tanta inverdade sendo dita a um mundo perplexo".

"O amor é a força mais sutil do mundo".

"A esposa não é escrava do marido, mas sua companheira e parceira em todas as alegrias e tristezas, tão livre quanto ele para escolher o próprio caminho".

"Liberdade jamais significou licença para se fazer o que quiser".

"A não-violência e a covardia não combinam. Posso imaginar que um homem fortemente armado seja, no fundo, um covarde. A posse de armas implica um elemento de medo, se não de covardia. Mas quem não possui uma coragem inflexível não é capaz da não-violência legítima."

"A não-violência nunca deveria ser usada como escudo para a covardia. Ela é uma arma para os bravos".

"A não-violência não está em amar aqueles que nos amam. Ela só existe quando amamos aqueles que nos odeiam. Sei como é difícil seguir essa grande lei de amor, mas todas as coisas grandes e boas não são difíceis de fazer? Amar a quem nos odeia é a mais difícil de todas. Mas, com a graça de Deus, mesmo essa tarefa se tornará fácil se assim o desejarmos".

'A Bíblia é para mim um livro religioso, como a Gita e o Corão",

" Se tivermos ouvidos para ouvir, Deus nos falará em nossa própria língua, qualquer que seja ela".


Amém, Mahatma Gandhi!





segunda-feira, 19 de março de 2012

Tao Te Ching - "O Livro que revela a essência"

Os tradutores de chinês recorrem a mais de 30 palavras diferentes para exprimir o sentido do ideograma Tao. Pode ser traduzido como O Insondável, O Absoluto, A Essência, A Suprema Realidade, A Inteligência Cósmica, etc... Te pode ser traduzido como revelação, caminho, diretriz, e Ching pode ser traduzido como livro, documento. O Tao Te Ching é o livro do taoísmo fundamental, tradição filosófica e religiosa que tem influenciado os povos do leste da Ásia há mais de 2.500 anos. A astrologia chinesa, a culinária chinesa, o zen budismo, várias artes marciais chinesas, a medicina tradicional chinesa, o feng shui, entre outras manifestações orientais, têm sido entrelaçados com o taoismo ao longo da história.
Lao-Tsé, o escritor do Tao Te Ching, viveu na China, na corte de Chou, no séc. VI antes de Cristo, trabalhando como historiador e bibliotecário até os seus quarenta anos. Depois, abandonou a corte e foi viver como um eremita na floresta, estudando e meditando. Com cerca de oitenta anos, cruzou a fronteira ocidental da China, e se deparou com um soldado da divisa, que lhe pediu um resumo de sua filosofia. Lao-Tsé lhe entregou um pequeno manuscrito, com a essência dessa filosofia, o Tao Te Ching. Após entregar o manuscrito simplesmente desapareceu sem deixar nenhum vestígio. Lao pode ser traduzido como criança, jovem, adolescente; e Tsé pode ser traduzido como idoso, maduro, sábio, espiritualmente adulto.
Toda a filosofia taoísta é permeada pela bipolaridade complementar cósmica, elegantemente representada pelo Tei-Gi, símbolo que reflete o estado de interdependência das duas polaridades universais. Uma está contida na outra, giram em torno de si, se completam e se integram numa formação que transcende a dualidade, caracterizando a interdependência e complementariedade. A curvatura que os divide remonta à flexibilidade de limites entre as polaridades e ao mesmo tempo dão a idéia de rotação e movimento. Podemos dizer: um símbolo perfeito.
O Tao Te Ching é formado por 81 poemas da mais rara beleza e profundidade. Cada vez que os lemos visualizamos diferentes compreensões e aspectos. Simplesmente espetacular! Aliás, é justamente por serem extremamente simples e curtos que os poemas são tão profundos. Indico a todos lerem...aqui vai uma prévia:

Poema 2

Só temos consciência do belo
Quando conhecemos o feio.
Só temos consciência do bom
Quando conhecemos o mau.
Porquanto o ser e o existir
Se engendram mutuamente.
O fácil e o difícil se completam.
O grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam um todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo.
Eis porque o sábio age pelo não-agir.
E ensina sem falar.
Aceita tudo que lhe acontece.
Produz tudo e não fica com nada.
O sábio tudo realiza - e nada considera seu.
Tudo faz - e não se apega à sua obra.
Não se prende aos frutos da sua atividade.
Termina sua obra
E está sempre no princípio.
E por isso sua obra prospera.

Poema 33

Inteligente é quem outros conhece;
Sapiente é quem conhece a si mesmo.
Forte é quem outros vence;
Poderoso é quem se domina a si mesmo.
Ativo é quem muito trabalha;
Rico é quem vive feliz.
Firme é quem vive em seu posto;
Eterno é quem supera a morte.

domingo, 18 de março de 2012

Esopo

"Acho que deveríamos colocar Esopo entre os grandes sábios de que a Grécia se orgulha, ele que ensinava a verdadeira sabedoria, e que a ensinava com muito mais arte que os que que usam regras e definições." - La Fontaine.
Na verdade, não há nenhum registro histórico deste sábio, há uma crença que ele existiu, aliás, muito parecido com outro grego notório, Homero. O único registro é que as fábulas a ele atribuídas foram reunidas pela primeira vez por Demétrio de Cúlau, em 325 a.C., mas já havia citações a ele no séc. V a.C. Através dele e de outros parcos registros, imagina-se que foi um escravo liberto por seu último senhor, Xanto. Além disso, que tinha uma aparência bem feia e era corcunda, mas possuía uma sabedoria ímpar, o dom da palavra e a habilidade de contar histórias onde os animais eram personagens principais e que terminavam com tiradas morais. Se atribui a ele a paternidade da fábula como gênero literário.
De qualquer forma, suas fábulas são de extrema sabedoria e sob uma roupagem bem simples e didática, no sentido mais literal da palavra, clássico. Vejam algumas:

O cabrito e o lobo
De casa em que se encontrava, um cabrito viu passar um lobo. Pôs-se a insultá-lo e a escarnecer-lhe. O lobo disse, então:
O insulto não vem de ti, mas do lugar onde estás.
Muitos deixariam de ser valentes diante dos fortes se não estivessem em lugar seguro.

A parede e a cavilha
Uma parede atravessada brutalmente por uma cavilha gritou:
- Por que estás me furando, eu não te fiz nada!
A cavilha respondeu:
- Não sou eu, é alguém que está me batendo violentamente por trás!

A serpente pisoteada
Uma serpente que era frequentemente pisoteada foi pedir a Zeus que a ajudasse. Zeus lhe respondeu:
- Se tivesse mordido o primeiro que te pisou, um segundo não teria feito o mesmo.
Se enfrentares os primeiros que te atacam, os outros te temerão.

A raposa e o lenhador
Uma raposa estava fugindo dos caçadores. Ao ver um lenhador, suplicou-lhe um esconderijo. O lenhador convidou-a a se esconder em sua cabana. Os caçadores não tardaram a chegar e perguntaram ao lenhador se não tinham visto passar uma raposa. Ele disse que não com a voz, mas apontou-lhe com o dedo onde ela estava escondida. Os caçadores não levaram o gesto em consideração, prestando atenção somente no que ele falara. Ao vê-los se afastar, a raposa saiu sem dizer uma palavra. O lenhador repreendeu-a:
- Veja só! Não tens nem mesmo uma palavra de agradecimento para quem te salvou?
A raposa respondeu:
- Eu diria obrigado se tuas palavras estivessem de acordo com teus gestos.
Só quem pensa em fazer o mal é que chama a atenção sobre suas virtudes.

A víbora e a raposa
Uma víbora estava sendo levada pela correnteza de um rio sobre um feixe de espinhos. Ao vê-la, a raposa que passava lhe disse:
- O piloto tem a nau que merece.

A raposa e as uvas
Uma raposa estava faminta e viu um cacho de uvas numa latada. Quis pegá-lo, mas não conseguiu. Ao se afastar disse para si mesma:
- Estão verdes.
O homem que culpa as circunstâncias fracassa e não vê que o incapaz é ele mesmo.

Esopo por Velasquez:

domingo, 11 de março de 2012

Bhagavad-gita.

Essência do conhecimento védico da Índia, é uma das maiores obras filosóficas e espiritualistas do mundo. Faz parte do épico monumental Mahabarata, o maior volume de texto escrito em uma única obra da humanidade, com mais de 90.000 versos, escrito por volta do séc. VI antes de Cristo. O Bhagavad-gita é uma das principais escrituras sagradas da cultura indiana, e compõe a principal obra da religião Vaishnava, também conhecida como movimento Hare Krishna, além de influenciar inúmeros movimentos espiritualistas e filosóficos.
Apresento uma introdução escrita por Chandramukha Swami, da obra Meditando com Krishna, que acho belamente resumida:

"Dhritarastra era o irmão mais velho de Pându, mas como havia nascido cego, não pode herdar o trono de seu falecido pai. Assim, o virtuoso Pându tornou-se o imperador do mundo. Entretanto, os desígnios misteriosos do destino surpreenderam-no com uma morte prematura, num momento em que seus cinco filhos, conhecidos como Pândavas, ainda não tinham idade suficiente para reinar.
Com a morte de Pându, o cego Dhritarastra teve que assumir temporariamente o comando do império. Seus filhos eram conhecidos como Kurus e o principal deles, o invejoso Duryôdhana, personificava a própria desavença.
Assim, enquanto esperavam a maioridade para assumir o reinado, os órfãos Pândavas cresceram juntamente com seus primos, sob os cuidados de Dhritarastra. À medida que isso acontecia, a natureza divina e a nobreza de caráter dos Pândavas acompanhavam o seu crescimento. Por um lado, eles se tornavam cada vez mais admirados e amados por todos e, por outro, mais odiado e invejado por seus primos. Não suportando a idéia de que os piedosos Pândavas pudessem assumir o trono ocupado por seu pai, os Kurus arquitetaram diversos planos perversos para matá-los. Porém, como os Pândavas estavam resguardados pela proteção divina, todas essas investidas foram mal sucedidas.
Pacientemente, os Pândavas toleraram os diferentes atentados contra suas vidas e, em nome da paz, estavam dispostos até mesmo a trocar o vasto império por uma insignificante porção de terra. Mas nem isso os Kurus concordaram em aceitar. Diante dessa insustentável situação, uma grande batalha fratricida tornou-se inevitável. Portanto, para impedir que a humanidade sofresse nas mãos de uma liderança mal intencionada, os Pândavas foram forçados a se apresentar com sua força militar no campo de batalha de Karukshetra, onde todos os guerreiros do mundo se dividiram em dois grandes exércitos. Enquanto alguns combatentes se aliaram aos Pândavas, que eram liderados por Árjuna, o maior arqueiro do mundo, a maioria decidiu apoiar os Kurus.
Nesse momento decisivo da história, Krishna, a Pessoa Suprema, vivia na terra e Se relacionava com Árjuna como primo e amigo pessoal. Ele havia acompanhado todas as tentativas frustradas de conciliação, tendo inclusive intermediado a última proposta de paz. Como conhecia profundamente o piedoso Árjuna, Krishna sabia que, sob a pressão do iminente confronto familiar, seu apego o levaria à decisão imatura de abandonar seu dever, o que comprometeria o Dharma, a ordem do mundo. Portanto, para ajudá-lo a superar sua fraqueza e, ao mesmo tempo, colocar a humanidade sob a proteção de uma liderança qualificada, Krishna Se dispõe a conduzir sua carruagem na luta contra o mal.
Na verdade, a batalha não passou de um excelente pretexto para que o diálogo transcendental entre Krishna e Árjuna tivesse lugar, oferecendo um guia perfeito de autoconhecimento para as futuras gerações. Em outras palavras, o dilema vivido por Árjuna é familiar a todos, pois, de uma maneira ou de outra, os apegos e condicionamentos atuam sempre como verdadeiros inimigos.
O cenário está montado. Os dois exércitos estão enfileirados. Búzios, clarins, cornetas e tambores soam com estrondoso vigor, iniciando que o início da batalha está próximo. Atendendo ao pedido de Árjuna, Krishna guia sua carruagem até o meio dos dois exércitos. Então, diante dos combatentes adversários, Árjuna reconhece inúmeros mestres, tios, primos, amigos e pessoas queridas por ele. Tomado pela compaixão e pelo medo, seu corpo treme, sua mente se agita e seu arco e flechas escorregam das mãos. Com lágrimas nos olhos, Árjuna diz:
- Ó Krishna, quão grande é minha desgraça! Mesmo que a cobiça tenha dominado meus parentes, não concordo em lutar contra eles simplesmente em troca de reino ou felicidade mundana! Que terrível destino conquistar uma herança coberta de sangue! Mesmo que seja correto combater os agressores do Dharma, eles são meus parentes e tenho profunda adoração por eles. Ó Govinda, eu não lutarei!
Vendo a condição desamparada de Seu amigo, Krishna diz: - Querido Árjuna, tua dita compaixão não passa de sentimentos egoístas, e tua pretensa não-violência, de mera covardia. O que ganharás com essa impotência? Entregar-se a ela significa se privar da elevação aos planetas superiores e garantir tua desonra na Terra. Portanto, levanta-te e luta!"

Inicia-se então um dos mais espetaculares diálogos da história. Na realidade, a luta de Árjuna, é a luta do homem para alcançar a felicidade através do desapego das coisas materiais e da consciência cósmica. O campo de batalha é ilusório e está na mente de Árjuna.
Indico a todos que leiam, se não todo, trechos do Bhagavad-gita, pois é de uma beleza e sabedoria incomuns, um monumento a literatura universal.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Velasquez.

De todos os grandes pintores, é o que eu mais admiro. Não produzia o estilo que mais gosto, o impressionismo, mas concordo com um impressionista famoso, Édouard Manet, que afirmou que Velasquez foi o "pintor dos pintores".
Diego Rodríguez de Silva y Velázquez nasceu em Sevilha a 6 de junho de 1599. Vindo de uma nobre família portuguesa - do Porto - foi estudar pintura aos 10 anos com Francisco Herrera, apaixonado pela arte de Caravaggio, do qual segue, principalmente em seus primeiros trabalhos, o estilo denominado tenebrismo, que acentua os contrastes entre as zonas claras e escuras. Depois foi aprendiz do atelier de Francisco Pacheco, e monta sua própria oficina em 1617. Em 1623 torna-se pintor do rei Felipe IV, e também pintor de câmara da corte real. É a idade de ouro da realeza espanhola, e lá está Velasquez a retratando.
De todos os seus quadros, alguns para mim são extremamente marcantes: "As Meninas", sua obra-prima. Tem como centro a infanta Margarida Maria, e todo o séquito a sua volta, inclusive o próprio Velasquez pintando. Em uma de suas viagens a Itália, retratou o Papa Inocêncio X. Impressionante a fisionomia retratada, captando a severidade e inclemência em seu olhar. E o retrato do príncipe Balthazar Carlos em seu cavalo. Demonstrando seu ar arrogante e autoritário ainda menino. E ainda, pela leveza, sensibilidade e riqueza de detalhes, As Fiandeiras.
Morreu em 6 de agosto de 1660, em Madri. Influenciou inúmeros grandes pintores, como Picasso, Salvador Dali, Manet e o estilo impressionista. Apreciem algumas obras desse gênio.




Carta aos Puros.

Conforme já mencionado em outra postagem, mais uma do gênio Vinicius de Moraes:

Carta aos Puros

Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.

Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós que almejais na carne o estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem o lenço.

Ó vós, homens iluminados a néon
Seres extraordinariamente rarefeitos
Vós que vos bem-amais e vos julgais perfeitos
E vos ciliciais à idéia do que é bom.

Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.

Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antônimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.

Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito
E erigis a esperança em bandeira aguerrida
Sem saber que a esperança é um simples dom da vida
E tanto mais porque é um dom público e gratuito.

Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.

Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.

Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.

Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.

Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E achais que o bem do alheio é a melhor iguaria.

Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimangos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra...
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.

sábado, 3 de março de 2012

Africa Unite!

Gosto muito do reggae raiz. E ouvia muito, mais que atualmente. Nessa época meu filho tinha por volta de 4 anos, e Bob Marley se tornara um dos seus ídolos. Há um DVD com a família Marley cantando várias músicas com diversos convidados e ele o via incessantemente e imitava principalmente o Ziggy Marley a caráter: colocava uma peruca rastafari, pegava um violãozinho e ficava brincando de músico! Muito bom! De todas, as preferidas eram Redemption Song e Africa Unite. Eu particularmente também gosto muito de Africa Unite, que nesse evento da família Marley acho a melhor. Confiram este clássico do reggae com trajes de gala!