sexta-feira, 27 de abril de 2012

Turandot

Nesta ópera inacabada de Puccini há uma das árias mais belas que conheço: Nessun Dorma (Que ninguém durma). Resolvi partilhá-la. Puccini novamente lançou mão de um tema oriental nesta obra - já havia composto Madame Butterfly, ambientado no Japão - desta vez na China imperial. Foi baseada numa peça de Carlo Gozzi com a adaptação de Friedrich von Schiller. Estreou no Teatro Scala de Milão a 25 de abril de 1926, sob a regência de Toscanini. Esta ópera ficou inacaba por causa da morte do autor, a 29 de novembro de 1924, sendo completada por Franco Alfano. Toscanini não gostou do final que Franco Alfano deu à ópera de Puccini, então, na cena de morte de Liù, virou-se para a plateia e disse: "Senhoras e Senhores, aqui parou Giacomo Puccini". A história começa na Praça da Paz Celestial em Pequim, onde um arauto do governo imperial anuncia ao povo que a Princesa Turandot desposará um pretendente de sangue real que decifre três enigmas que ela proporá. Aquele que se arriscar e fracassar será executado (traço sado-masoquista marcante de Puccini). O prícipe da Pérsia é o primeiro pretendente: não teve sorte. Mesmo com a multidão pedindo clemência, Turandot manda executá-lo impiedosamente. Neste momento surge o "Príncipe Desconhecido". Ele se apaixona pela princesa e resolve se candidatar ao "teste". Esse príncipe é Calaf, filho de Timur, rei destronado dos tártaros. Todos tentam fazê-lo mudar de idéia, inclusive seu pai, mas não adianta, ele pega o martelo e dá os três golpes no gongo, anunciando sua candidatura à mão da princesa. No segundo ato há mais súplicas de desistência e mais determinação de Calaf, então Turandot inicia os enigmas: "Qual é o fantasma que nasce todas as noites, apenas para morrer quando chega a manhã?" "É a esperança," responde o príncipe. Os sábios da corte atestam a resposta. Turandot parece ter sentido um choque, mas não se deixa abater, e diz cheia de malícia: "Sim! A esperança que ilude sempre!" Impassível, ela propõe o segundo enigma: "O que é vermelho e quente como a chama, mas não é chama?" "O sangue", responde o príncipe. Os sábios atestam novamente a resposta. Agora, Turandot fica mais nervosa, mas novamente se controla. Vem o terceiro enigma: "Qual é o gelo que te faz pegar fogo?" "Turandot." "Turandot! Turandot!" gritam os sábios. Resposta correta! Agora sim a princesa entra em desespero e se atira nos braços do pai suplicando: "Pai, não me obrigue a entregar-me a este estrangeiro!" Mas seu pai lhe responde que nada pode fazer pois o juramento é sagrado. Calaf, porém, diz que não quer ter Turandot contra a vontade dela. Ele propõe-lhe, então, um único enigma, se ela responder corretamente ele desiste do casamento e entrega sua cabeça ao carrasco. "Tens até a aurora," diz ele, "para descobrir meu nome." Inicia o terceiro ato com os funcionários imperiais percorrendo as ruas com as lanternas acesas ordenando o povo a ajudar a descobrir o nome do "Príncipe desconhecido" por determinação da princesa. É neste momento que ocorre a ária Nessun Dorma. Os ministros tentam em vão fazer com que o príncipe desista de Turandot, oferecendo-lhe riquezas e regalias. Calaf é obstinado e não muda de idéia. Alguém se lembra, então, que vira o príncipe em companhia de um velho, seu pai, e sua fiel servidora, Liù. Turandot ordena que a mulher seja torturada até dizer o nome do príncipe, mas morre sem dar uma palavra. O dia nasce com Timur chorando sobre o cadáver de Liù. Calaf fica frente a frente com Turandot. Ela pede que todos saiam e tem um duo com ele (este já composto por Franco Alfano) e se mostra mais humilde. Calaf conta qual é o seu nome, e os guardas chegam. Turandot restaura seu orgulho, mas na hora de falar qual é o nome de Calaf ela diz que o nome dele é "Amor".
Vejam com o eterno Pavarotti:
A tradução:
Que ninguém durma!
Que ninguém durma!
Você também, ó Princesa
Em seu quarto frio, olhe as estrelas
Tremendo de amor e de esperança
Mas meu segredo permanece guardado dentro de mim
O meu nome ninguém saberá
Não, não, sobre tua boca o direi
Quando a luz brilhar
E o meu beijo quebrará
O silêncio que te faz minha
O seu nome ninguém saberá
E nós teremos, oh!, que morrer, morrer
Parta, oh noite
Esvaneçam, estrelas
Ao amanhecer eu vencerei!
Vencerei! Vencerei!

domingo, 15 de abril de 2012

Johannes Kepler - Harmonices Mundi (A Harmonia do Mundo)

Johannes Kepler, protagonista de uma das mais dramáticas e belas "peças" do conhecimento humano, precursor de Newton, "Homem incomparável" segundo Eistein, indubitavelmente gênio.
Filho de Henrich Kepler e Katharina Guldenmann, nasceu a 27 de Dezembro de 1571, na pequena cidade de Weil der Stadt, no sul da Alemanha. Aspirava à carreira teológica, e foi seminarista no colégio Luteranista Stift. Certo dia, seu mestre, o matemático e astrólogo - não havia ainda uma clara distinção entre astronomia e astrologia - Michael Maestlin colocou-o em um debate no colégio em que dois alunos argumentariam a respeito das teorias Geocêntrica, aceita oficialmente, e Heliocêntrica, proposta por Copérnico e claramente execrada pela religião - Martinho Lutero zombara de Copérnico, afirmando que só um tolo poderia acreditar que a Terra giraria em torno de si mesma e do Sol, como um carrossel. Por ser brilhante em matemática e astronomia, Maestlin "jogou Kepler aos leões": coube a ele defender a visão heliocêntrica do mundo. Obviamente o massacraram no debate, inclusive pelo diretor da escola, Hafenreffer. Que absurdo, criticar Ptolomeu e Aristóteles! Quem achava que era aquele fedelho para tal heresia!... Que semente plantada... Kepler realmente achara aquela teoria lógica.
Passado algum tempo foi ser professor de matemática na Escola Protestante de Graz, na Áustria, em 1594, indicado por Maestlin e Hafenreffer. "Queria ter sido teólogo, durante muito tempo sofri com isso. Mas veja agora como louvo a Deus em meu trabalho como astrônomo" escreveu ao seu mestre em 3 de outubro de 1595, pois não desejava inicialmente sair do Stift, e se sentiu abandonado por aquele.
Casa-se com a viúva Bárbara Müller em 27 de abril de 1597. Vivia grandes dificuldades financeiras e, talvez por causa disso problemas com a esposa e o sogro, sua felicidade familiar única era Regina, sua enteada. Em 2 de fevereiro de 1598 nasce seu primeiro filho, Heinrich, mas morre após 2 meses de meningite. A esposa entra em depressão. Em junho de 1599 morre seu segundo filho, Suzanna, 38 dias após o nascimento. Sai de Graz em 27 de julho de 1600 devido a problemas religiosos: Fernando II de Hasbsburgo, líder da Contra-Reforma Católica, fecha o colégio e a igreja protestante de Graz e ordena que todos os padres e professores deixem a cidade.
Kepler vai com sua família a Praga, convidado por Tycho Brahe, o príncipe dos astrônomos, dono da maior coleção de dados astronômicos que existia. Foi viver no castelo Benátky, em Hradcany. Foi cheio de esperanças de trabalhar com Tycho. A realidade foi cruel: pessoa extremamente difícil, arrogante, com um séquito de nobres parasitas e invejosos, tratava Kepler como um ajudante, além de achar tolice a teoria heliocêntrica. Relegou Kepler ao estudo da órbita irregular - aparente, como descoberto posteriormente - de Marte, e restringia o acesso aos dados astronômicos. Tycho lhe ignorava. Resolveu sair de lá, e chegou a fazê-lo. Tycho recuou e conseguiu junto ao rei da Boêmia um cargo e salário para Kepler. Provavelmente ele sabia que dependia de Kepler para interpretar os dados de suas observações. Da mesma forma, Kepler dependia dos dados para suas teorias astronômicas... mas não se "bicavam". Certo dia, de madrugada, Tycho chega bêbado no castelo precisando urgentemente mijar. Fora em um jantar no castelo do barão Rozmberck e bebera sem parar. Havia um protocolo que ninguém deveria se levantar da mesa antes do anfitrião, e Tycho foi prendendo a urina até não poder mais. Como resultado teve uma séria infecção, que onze dias depois se tornou uma insuficiência respiratória. Antes de morrer pediu ao seu assistente, Jesensky, que chamasse Kepler. Pôs as mãos em seu ombro e disse-lhe: "Não deixe que minha vida tenha sido em vâo. Por favor... não me deixe ter vivido em vão..."
Kepler torna-se o sucessor de Tycho Brahe como novo matemático imperial de Rodolfo II. Porém trava uma nova batalha com a família de Tycho para que liberassem os dados astronômicos.
Durante todos esses acontecimentos, travava uma batalha matemática para provar o heliocentrismo, por muitas vezes quase desistindo, mas estava no caminho, Marte, que tanto estudara, estava dando-lhe um rumo.
Após conseguir os dados de Tycho, escreve a Astronomia Nova. A família cresce: a 9 de Junho de 1602 nasce Susanna, a 3 de Dezembro de 1604 Frederick e a 21 de Dezembro nasce Ludwig. Mas o casamento não era feliz. Barbara adoeceu gravemente e não suportou a morte do filho Frederick, que Kepler chamava de "caixinha de felicidade" com 6 anos, acabando por falecer devido a varíola a 3 de Julho de 1611.
Estourava a Guerra dos Trinta Anos, e novamente Kepler teve de se exilar, desta vez para Linz.
Casa-se novamente com outra viúva, Susanna Reuttinger, a 30 de Outubro de 1613. Sua nova esposa era o contrário da outra: bem humorada, companheira, dedicada ao marido e aos enteados. Passou um período de rara felicidade. Mas logo mudaria: sua mãe sofre um processo de excomunhão pela inquisição, acusada de 49 atos contra a fé cristã. Na verdade foi fruto de uma discussão com uma mulher e décadas de boataria, pois sua mãe era uma "curandeira". Kepler usou sua influência para soltar a mãe, mas não passara incólume pela inquisição: fora presa, acorrentada e torturada. Logo após esse fato, Regina, sua enteada falecera. E em seguida, sua outra filha, Margarethe Regina.
Sua vida na Terra era um caos, era hora de encontrar as leis que regem a harmonia do mundo. Intensifica seu trabalho e termina a sua grande obra, Harmonices Mundi. E prova matematicamente a teoria heliocêntrica. Perdeu mais três filhos muito cedo. Em 1626, as autoridades eclesiásticas de Linz consideram-no suspeito de heresia, selam a sua biblioteca e Kepler vê-se obrigado a deixar Linz, partindo para Ulm, nas margens do Danúbio. Em um inverno rigoroso, em viajem para Regensburg, na esperança que pagassem o que lhe deviam pelos seus préstimos, Kepler adoece e acaba por morrer a 15 de Novembro de 1629, aos 61 anos de idade. Nem mesmo após sua morte deixou de se exilar: seus restos mortais desapareceram quando o cemitério de Regensburg foi destruído durante a guerra. Deixou-nos como herança uma nova e belíssima visão do Cosmos.
Transcrevo agora dois trechos do seu diário pessoal, para que possamos apenas imaginar a magnífica e elegante mente desse gênio, que enxergou os movimentos celestes como uma sinfonia perfeita, e que mudou pra sempre as nossas.
É simplesmente de arrepiar! Confiram:

"1° de fevereiro de 1618
Meu coração está dividido: de um lado, as tristezas que a vida me traz e, do outro, a alegria que sinto ao contemplar as verdades escritas nos céus. Depois de sofrer terrivelmente, minha mãe - ou o que restou dela - enfim foi libertada. Mal festejamos, minha enteada e uma filha minha morreram, e outra teve de se mudar para longe. Suzanna e eu temos tentado lidar da melhor forma possível com essa sucessão de tragédias. Ludwig e Katharina são nossa única inspiração nestes difíceis dias. Não sei o que faríamos sem os dois. Deus os proteja!
Quando posso, fecho-me em meu escritório e procuro as harmonias do mundo. Voltei a estudar os ensinamentos de Pitágoras e de seus discípulos sobre as relações entre os números e os sons harmônicos. Benditos sejam nossos antepassados gregos! Descobriram, soando as cordas da lira, que os sons são agradáveis, ou melhor, harmônicos, apenas quando o comprimento de duas cordas satisfazem razões simples entre si - 1:2 (uma corda duas vezes mais longa que a outra), 3:4, 5:8, etc... Ao refletir sobre isso, perguntei-me por que razões envolvendo o número 7, como 1:7 ou 3:7 criam sons dissonantes.
Descobri a resposta usando a geometria! Quais as figuras geométricas que cabem dentro de um círculo, dividindo-o em arcos de tamanhos iguais? Resposta: as que dividem os 360 graus do círculo em partes iguais! O triângulo, por exemplo, divide o círculo em arcos com 1:3 e 2:3 de sua circunferência; o quadrado, em arcos de 1:4, 1:2, 3:4, o pentágono, com 1:5, 2:5...; o hexágono, 1:6..., 5:6. Pois são justamente essas razões que criam as notas harmônicas! O mesmo não ocorre com o heptágono (1:7...,6:7). E por que não? Porque o heptágono é uma das figuras que não podem ser construídas usando-se um compasso, uma régua e as regras da geometria de Euclides. O mesmo ocorre, por exemplo, com o polígono de onze lados. Isso não é uma coincidência! Ambas são uma aberração geométrica, justamente chamadas de formas "incomensuráveis". Portanto, não podem pertencer aos arquétipos harmônicos com que Deus construiu o Cosmos.
Sabemos disso porque nós, humanos, temos a habilidade instintiva de perceber ordem, em particular a ordem geométrica das coisas. É como se Deus tivesse nos dado o dom de enxergar o mundo como uma combinação de formas e proporções determinadas pelas leis da geometria. A música, como demonstraram os pitagóricos, foi o primeiro exemplo. E não é necessário que sejamos músicos para compreender isto: uma pessoa que não entende de música nem de matemática sabe, ou melhor, sente quando um instrumento está desafinado. Sua alma ressoa apenas quando aqueles sons são harmônicos... Sons dissonantes criam antagonismos, influências negativas. Conforme argumentei acima, os sons harmônicos têm representações geométricas, dadas pelos polígonos "comensuráveis". São esses os átomos que Deus usou para construir o mundo, os átomos da harmonia cósmica.
Afinal, não demonstrei em meu Mysterium que as órbitas dos planetas são descritas pelos cinco sólidos platônicos? E como são construídos esses sólidos? Com base em polígonos mensuráveis! Sim, existem discrepâncias entre os dados de Tycho e minha hipótese poliédrica. Mas quão ínfimas são quando consideramos a vastidão das distâncias cósmicas! Só o que podemos fazer é usar nossa mente imperfeita para imitar a perfeição divina. A astronomia e a filosofia natural devem ser vistas assim, como representações imperfeitas da obra perfeita de Deus.
Continuarei a buscar as relações harmônicas que regem as órbitas planetárias e as interações entre o cosmo e o homem. Se Deus usou arquétipos geométricos para construir o mundo, essa harmonia não se limita à música. Tudo o que existe, do comportamento humano aos movimentos celestes, deve obedecer às mesmas regras fundamentais. Preciso apenas encontrá-las!"

"23 de maio de 1618.
Desde fevereiro que procurava a música oculta no movimento dos planetas. Se Deus usou os mesmos arquétipos geométricos para criar o mundo, as mesmas leis que regem as órbitas celestes têm de reger as harmonias da música. Minha missão é - e sempre foi - encontrar essas leis. Às vezes, sinto-me como um viajante que deixou a tudo e a todos em busca das terras dos sonhos. Amigos e parentes diziam-lhe que morreria antes de achar algo, que havia perdido a razão, que era loucura aventurar-se rumo ao desconhecido. Sozinho em seu barco, ignorando a todos, o viajante partiu, inspirado pela visão de terras mágicas, lutando contra o frio e a fome, enfrentando tempestades terríveis. Durante anos prosseguiu corajosamente, sem nada descobrir. Até que, um dia, Deus presenteou-o. Seu tesouro não consistia em montanhas de ouro e diamantes ou em mulheres belíssimas. Não..., o viajante encontrou uma pequena janela, uma janela que lhe permitia vislumbrar, por um breve momento apenas, a mente do criador. E a luz que viu, a beleza que lhe foi revelada, transformou-o para sempre. Ele não se importou quando retornou à aldeia e ninguém acreditou nele, acusando-o de ter enlouquecido de vez; sabia que era uma questão de tempo, que no futuro as pessoas lhe dariam ouvidos e sua visão seria celebrada por toda a humanidade.
Primeiro, tentei encontrar padrões harmônicos nos períodos orbitais dos planetas. Usando os dados de Tycho, experimentei tomar razões entre diferentes períodos, comparando os resultados com as razões harmônicas das escalas musicais. Não tive êxito. Tentei então encontrar relações entre as distâncias dos planetas ao Sol, novamente comparando-as às razões entre as notas musicais. Mais uma vez fracassei. Comecei a entrar em pânico. Será que estivera errado todos aqueles anos? Será que minha busca obsessiva por uma lei harmônica era o devaneio de um louco? Será que o viajante termina espatifado em um recife? Não, não era possível. Eu não podia viver num cosmo dissonante. A sabedoria de Deus tinha de estar oculta na estrutura do universo, eu estava convencido disso. Não podia desistir, precisava continuar a navegar. Talvez as razões harmônicas estivessem entre as velocidades mais extremas das órbitas dos planetas: a mais rápida no ponto mais próximo ao Sol, e a mais lenta no ponto mais distante dele. Outro fracasso. Dias se passaram. Faltava-me idéias.
Foi então que aconteceu. Resolvi, numa intuição louca, transferir-me dos planetas para o Sol, imaginando como os movimentos cósmicos seriam percebidos por um observador solar. Mas claro! Afinal, o Sol não era o centro dos movimentos? Nesse caso, lá é que devia residir o segredo da harmonia do mundo. Comecei por Saturno: em relação ao Sol, sua velocidade mais lenta é de 106 segundos de arco por dia, e a mais veloz, de 135 segundos de arco por dia. A razão entre as duas é 0,785, muitíssimo perto de 4:5 (ou 0,8), uma terça maior! MInha mão tremia, mal conseguia segurar a pena. E os outros planetas? Todos satisfazem razões semelhantes às notas musicais : Júpiter, uma terça menor; Marte, uma quinta. Podia ver as notas dançando diante de mim. Em seguida, comparei as mesmas duas velocidades extremas entre pares diferentes de planetas, usando os resultados para construir escalas harmônicas para cada planeta, a música que criam ao girar pelos céus, a harmonia cósmica. É essa a sinfonia de Deus, a música eterna da Criação, que revelarei ao mundo para que todos possam deleitar-se com suas harmonias. Seria impossível expressar minha felicidade... Apenas aqueles que passaram longos anos buscando a verdade, imersos na escuridão da ignorância, podem compreender o júbilo transcendente da descoberta.
Para completar minha obra, restava uma última tarefa: encontrar a lei que relaciona a distância do planeta ao Sol (D) ao tempo que ele leva para completar sua órbita (T). A razão entre os dois números, expressão máxima da harmonia cósmica, tinha de ser a mesma para todos os planetas. Comecei com a razão mais simples, T/D. Não funcionou: para Mercúrio obtive 0,62, e, para Saturno, 3,10. Tentei, então, a combinação T/D². De novo não obtive sucesso, Mercúrio contava agora a maior razão, e Saturno a menor. Em seguida, calculei T²/D². Nada. Por fim, já quase sem esperanças, tentei T²/D³. E funcionou! A razão é igual a 1 para todos os planetas! No início pensei que se tratava de um sonho. Confirmei os números freneticamente, e não encontrei erro algum! Uma única lei relaciona distância e tempo, revelando em sua simplicidade a concepção harmônica do cosmo. É essa lei que tanto procurei, a lei que liga cosmo e mente, que demonstra que toda a Criação provém da unidade de Deus. Minha busca está encerrada.
Termino este diário com uma oração:
Que a unidade revelada nestas páginas, expressão da perfeição divina, ilumine o espírito enfraquecido dos homens, alimentando o amor ao próximo e restaurando a paz entre todos os credos. Que a harmonia que rege o mundo conforte nossos pesados corações e desperte os homens para uma nova era, baseada na liberdade e no respeito à vida."



Amém, magnífico Johannes Kepler!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ilha das Flores.

Vi há um bom tempo, não me lembro exatamente quando, este curta metragem. Ouso dizer que é o melhor, ou um dos melhores que já vi. Produzido em 1989 por Giba Assis Brasil, Mônica Schmiedt e Nôra Gulart; com roteiro de Jorge Furtado e narração de Paulo José; foi premiadíssimo no Brasil e exterior: Melhor Curta no Festival de Gramado em 1989, Melhor Edição no Festival de Gramado em 1989, Melhor Roteiro no Festival de Gramado em 1989, Prêmio Crítica e Público no Festival de Clermont-Ferrand em 1991, Prêmio da Crítica no Festival de Gramado em 1989, Prêmio do Público na Competição "No Budget" no Festival de Hamburgo em 1991, Urso de Prata no Festival de Berlim em 1990. .
Atualíssimo, escancarado, ácido, nos mostra logicamente a sociedade de consumo e as desigualdades sociais geradas pelo processo de acumulação de riquezas partindo da plantação de tomates. Dinâmico na construção argumentativa e grandioso no desfecho com a célebre definição de liberdade da Cecília Meireles: Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.! Vejam, é excepcional!