domingo, 23 de dezembro de 2012

Strange Fruit - a canção do século XX

Baseada possivelmente em um macabro cartão postal - que à época era uma novidade para pessoas refinadas - fotografado por Lawrence Beitler do linchamento e enforcamento dos negros Thomas Shipp e Abram Smith, em Marion, Indiana. A canção Strange Fruit foi composta em 1936 por Abel Meeropol, professor universitário de origem judia, comunista, poeta e conhecido pelo pseudônimo de Lewis Allan. Publicou-a primeiramente como um poema em um periódico marxista novaiorquino, The New Masses, e depois musicou-a. Futuramente, em 1957, Meeropol e sua esposa adotariam os filhos do casal Julius e Ethel Rosenberg, pivôs do famoso e controverso caso de espionagem a favor da URSS em que foram condenados e executados na cadeira elétrica.
Ainda desconhecida, Barney Josephson, fundador do Cafe Society, um bar frequentado por esquerdistas e negros em Nova Iorque - aliás, o único lugar onde brancos e negros conviviam pacificamente - ouviu-a e apresentou a Billie Holiday. A cantora teve medo de apresentá-la temendo represálias, mas o fez pois a canção a lembrava do pai. Foi um sucesso e se tornou a marca da cantora, hino da luta pelos direitos humanos e igualdades sócio-racial. Era um sucesso diferente, estranho, as emissoras de rádio não divulgavam, Meeropol nem se dera ao trabalho de registrar sua autoria. Demorou anos para que uma gravadora ousasse gravá-la. A Columbia recusou, a CBS também, entre outras. Até que uma gravadora alternativa, a Commodore Records o fez, depois que Billie procurou e cantou a música para o dono da gravadora e amigo Milt Gabler. Este chorou ouvindo a execução a cappella da canção. Venderam tudo em um piscar de olhos. Mas até os dias de hoje ainda é uma canção "tabu", desconhecida das massas.
Eleanora Fagan Gough, ou Billie Holiday nasceu na Filadélfia a 7 de abril de 1915. Negra e pobre, filha de adolescentes negros e pobres - à época, seu pai, Clarence Holiday tinha 15 anos, e sua mãe Sarah Fagan 13 - passou por sofrimentos duríssimos. Seu pai deixa a família para tocar guitarra em uma banda de jazz. Sua mãe a deixava constantemente com familiares. Aos dez anos foi estuprada por um vizinho e internada em uma casa de correção para meninas vítimas de abuso. Aos doze era faxineira de um prostíbulo, e aos quatorze, morando com a mãe em Nova Iorque se torna prostituta. Em 1930 ela e a mãe estavam ameaçadas de despejo onde moravam por falta de pagamento. Sai às ruas em desespero para arranjar algum dinheiro e entra em um bar no Harlem para se oferecer como dançarina. Não sabia dançar, mas o pianista sugeriu que cantasse. Cantou e conseguiu um emprego fixo, nascendo Billie Holiday.
Strange Fruit se torna a marca da cantora. No Cafe Society, antes da canção começar, todos os garçons paravam de servir e todas as luzes se apagavam. Cessam os movimentos, param as conversas. Entrava uma negra de 23 anos no palco e uma única luz se acendia sobre ela. Ela cantava com os olhos fechados, quase como uma oração:
As árvores do Sul estão carregadas com um estranho fruto,
Sangue nas folhas e sangue na raiz,
Um corpo negro balançando na brisa sulista
Um estranho fruto pendurado nos álamos.
Uma cena pastoril no galante Sul,
Os olhos esbugalhados e a boca retorcida
Perfume de magnólia doce e fresco,
Então o repentino cheiro de carne queimada!
Aqui está o fruto para os corvos arrancarem,
Para a chuva recolher, para o vento sugar,
Para o sol apodrecer, para as árvores fazerem cair,
Eis aqui uma estranha e amarga colheita.
A música pára causando um silêncio pesado e chocante. Um ou outro aplauso hesitante, e nervosamente todos aplaudem acaloradamente. Depois daquela canção a orquestra tocava um fox-trot ou algo mais animado para desfazer o pesado ambiente que Strange Fruit causava. Mas Billie Holiday não ficava no palco para receber os aplausos, nem cedia um bis, nem cantava mais nada depois dessa canção. Era um encerramento brusco, não havia espaço para rodeios, réplicas, comentários, nada. Nada além do fim da música era admitido ou possível. Assim é Strange Fruit.
Meeropol nasceu em 1903 e morreu em 1986 na casa de repouso judia de Longmeadow, em Massachusetts. Billie Holiday morreu em Nova Iorque à 17 de julho de 1959 por overdose - era alcoólatra e viciada em drogas.
Em outubro de 1939, Samuel Grafton do The New York Post assim descreveu Strange Fruit: "Se a ira dos explorados já foi além do suportável no Sul, agora há a sua Marseillaise". Em dezembro de 1999, a revista Time concedeu a Strange Fruit o título de canção do Século. Em 2002, a Biblioteca do Congresso colocou a canção dentre as 50 que seriam adicionadas ao National Recording Registry.
Leiam mais em Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de uma Canção de David Margolick. Editora Cosac Naify de 2012.