sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Cyrano de Bergerac

Edmond Rostand nasceu em Marselha em 1868. Formou-se em direito pela Universidade de Paris mas nunca exerceu a profissão. Já no início da faculdade frequentava os meios artísticos, aos quais tinha imenso fascínio. Escreveu algumas peças e poesias, mas através de Cyrano se tornou ídolo do público francês, e membro da academia francesa em 1901. Não desfrutou muito do sucesso, contraiu uma pneumonia que muito o debilitou. Foi viver em Cambo, na região Basca e ficou nove anos em "silêncio". Escreveu mais duas peças sem grande sucesso e faleceu em 1918. Mas a história do mosqueteiro altivo, galante, com um nariz descomunal e língua e mente afiadas o tornou imortal.
Sua grande meta na vida é defender os fracos e oprimidos, os amantes infelizes e amigos humilhados. Despreza profundamente os poderosos, enfrenta as dificuldades com coragem e ousadia. Sublima seu amor com extrema nobreza, e se revela sensibilíssimo com lindos versos. Tornou-se assim um símbolo popular: nesta época, Cyrano representava a própria encarnação do ideal do povo ao unir as qualidades mais apreciadas pelo espírito nacional.
Cyrano ama sua prima, a pedante Roxana, moça inteligente e sofisticada. Esta se apaixona por um jovem e belo cadete, Cristian de Neuvillette, ignorante e pouco chegado às belas palavras. Cyrano não vê em si a menor possibilidade de conquistar a prima, e resolve fazê-la feliz com o outro através de cartas e declamações. Em verdade, o afeto de Roxana se divide entre a beleza de Cristian e a inteligência e espírito de Cyrano, mas desconhece esse desconexo.
Maravilhosa e linda história, que arrebatou os presentes ao Théâtre de la Porte Saint-Martin em fins do séc XIX, tornando-a aos olhos de todos o próprio ideal do povo francês.
Leiam esta passagem, da cena VIII, após Cyrano discutir com um nobre devido a um duelo da noite anterior:

Que queres que eu faça?
Que vá ver um patrono em voga, um protetor,
E - como hera servil que em busca de tutor
Lamba a casca do tronco em roda ao qual se torça - 
Cresça por manha, em vez de me elevar por força?
Obrigado! Ofertar meus versos a um banqueiro, 
Como é vulgar? Fazer do vil pantomimeiro
Na esperança de ver nos lábios de um ministro
Sorriso que não tenha uns longes de sinistro?
Almoçar cada dia um sapo - e não ter nojo,
Gastar o próprio ventre a caminhar de rojo?
Obrigado! Trazer os joelhos encardidos?
Exercitar a espinha em todos os sentidos?
Obrigado! Acender um círio a São Miguel
E acender outro círio ao réprobo Lusbel?
Libertar o galé com medo do patíbulo?
Andar a cada canto e sempre sempre de turíbulo?
Obrigado! Galgar trapézios de acrobata?
Ser um grande homenzinho em roda aristocrata?
Remar com os madrigais, e ter as bujarronas 
Túmidas dos senis suspiros das matronas?
Obrigado! Gozar de sermos editado
Pelo editor Sercy...pagando-lhe? Obrigado!
Ser escolhido Papa em todos os conclaves
Feitos por imbecis tão nulos quanto graves?
Obrigado! Assentar meu nome e posição
Num tal soneto, em vez de fazer outros? Não!
Obrigado! Encontrar talento nos sendeiros,
Aterrar-me de ouvir estranhos noveleiros
E sentir um prazer na reles esperança
De ter qualquer menção no Mercúrio de França?
Obrigado! Antepor - de medo e covardia - 
Salamaleque infame a rútila poesia?
Redigir petições e pertencer a alguém?
Obrigado! Obrigado! Obrigado!... Porém
Cantar, sonhar, passar, ter liberdade e fibra,
Ter a vista segura, e ter a voz que vibra,
Pôr meu feltro à banda, e - espanto dos perversos -
Por um sim por um não bater-me, ou fazer versos;
Trabalhar, sem ter fito em lucros e honrarias.
Numa excursão à Lua e noutras fantasias!
Nada escrever jamais que eu mesmo não produza,
E, modesto, dizer à minha altiva musa:
"Seja do teu pomar - teu próprio - o que tu colhas;
Embora fruto, flor ou simplesmente folhas."
Depois, se acaso a glória entrar pela janela, 
A César não dever a mínima parcela,
Guardar pra mim mesmo a gratidão mais pura;
Enfim, sem ser a hera - a parasita obscura -
Nem o carvalho e o til - gigantes do caminho -
Subir, não muito, sim, porém subir sozinho.

Edmond Rostand

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