terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Outra do Vinicius.

Gosto muito mesmo, e coloco outro aqui que acho genial. Só o li uma vez em um livro emprestado e após quatro anos o reencontrei e transcrevo a vocês. Simplesmente genial!

O desespero da piedade.


Meu senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina.

Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.

Tende imensa piedade dos músicos dos cafés e casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.

Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Que em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe aonde vão...

Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas que são humildes nas suas carícias
Mas tende mais piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!

Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Que lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.

Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tende mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.

Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.

E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tende piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta - que o homem não presta, não presta, meu Deus!

Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.

Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e de sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados - sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!

Vinicius de Moraes

Mulheres fúteis e burras em dois momentos.

Nossa, acho que em nenhum momento na história da humanidade existiram tantas...! E homens também! Prometo que colocarei também uma postagem aos caras escrotos - vou procurar, leitoras - pois se há também algo chato e burro é o machismo. Por enquanto curtam essas duas, de dois autores e momentos distintos.

As mulheres ocas

Nós somos as inorgânicas
Frias estátuas de talco
Com hálito de champagne
E pernas de salto alto
Nossa pele fluorescente
É doce e refrigerada
E em nossa conversa ausente
Tudo não quer dizer nada.

Nós somos as longilíneas
Lentas madonas de boate
Iluminamos as pistas
Com nossos rostos de opala.
Vamos em câmara lenta
Sem sorrir demasiado
E olhamos como sem ver
Com nossos olhos cromados.

Nós somos as sonolentas
Monjas do tédio inconsútil
Em nosso escuro convento
A ordem manda ser fútil
Fomos alunas bilíngües
De "Sacre-Coeur" e "Sion"
Mas adorar, só adoramos
A imagem do deus Mamon.

Nós somos as grã-funestas
Filhas do Ouro com a Miséria
O gênio nos enfastia
E a estupidez nos diverte.
Amamos a vida fria
E tudo o que nos espelha
Na asséptica companhia
Dos nossos machos-de-abelha.

Nós somos as bailarinas
Pressagas do cataclismo
Dançando a dança da moda
Na corda bamba do abismo.
Mas nada nos incomoda
De vez que há sempre quem paga
O luxo de entrar na roda
Em Arpels ou Balenciaga.

Nós somos as grã-funestas
As onézimas letais*
Dormimos a nossa sesta
Em ataúdes de cristal
E só tiramos do rosto
Nossa máscara de cal
Para o drinque do sol posto
Com o cronista social.

* Uma das categorias da Nova Gnomônia, de Jayme Ovalle, que classifica os seres e as coisas em: datas, parás, mozarlescos, kernianos e os onézimos, sendo estes conhecidos "pés-frios". Para maiores esclarecimentos, ver o capítulo [a crônica] "A Nova Gnomônia" em Crônicas da província do Brasil, de Manuel Bandeira.

Vinicius de Moraes

Lôraburra

Existem mulheres que são uma beleza,
mas quando abrem a boca, ai que tristeza,
Não é o seu hálito que apodrece o ar,
o problema é o que elas falam que não dá pra aguentar.
Nada na cabeça, personalidade fraca, tem a feminilidade
e a sensualidade de uma vaca.
Produzidas com roupinhas da estação,
que viram no anúncio da televisão.
Milhões de pessoas transitam pelas ruas,
mas conhecemos facilmente esse tipo de perua,
bundinha empinada pra mostrar que é bonita
e a cabeça parafinada pra ficar igual paquita.

Elas estão em toda parte desse Rio de Janeiro
e às vezes me interrogo se elas estão no mundo inteiro,
à procura de carro, à procura de dinheiro,
o lugar dessas cadelas era mesmo num puteiro.
Quando só se preocupam em chamar a atenção,
não pelas ideias, mas pelo burrão,
não pensam em nada, só querem badalar,
está na moda tirar onda, beber e fumar.
Cadelinhas de boate ou ratinhas de praia,
apenas os otários aturam a sua laia
e enquanto o playboy te dá dinheiro e atenção,
eu só saio com você se for pra ser o Ricardão.

Não eu não sou machista, exigente talvez,
mas eu quero mulheres inteligentes, não vocês!
Vocês são o mais puro retrato da falsidade,
desculpa amor mas eu prefiro mulher de verdade!
Voce é medíocre e ainda sim orgulhosa,
Loira burra, e mole, não está com nada e está prosa.
O seu jeito forçado de falar é deprimente,
já entendi seu problema, você está muito carente.
Mas eu só vou te usar, você não é nada pra mim.

Pra que dar atenção a quem não sabe conversar,
pra falar sobre o tempo ou sobre como estava o mar.
Não, eu prefiro dormir, sai daqui!
Eu já fui bem claro, mas vou repetir,
e pra você me entender, vou ser até mais direto:
Loira burra, você não passa de mulher objeto.

Capas da moda, vocês são todas iguais,
cabelos, sorrisos e gestos artificiais,
idéias banais, e como dizem os racionais:
Mulheres vulgares, uma noite e nada mais.
Loira burra, você é vulgar sim,
seus valores são deturpados, você é leviana.
Pensa que está com tudo, mas se engana
sua frágil cabecinha de porcelana.
A sua filosofia é ser bonita e gostosa,
fora disso é uma sebosa, tapada e preconceituosa,
Seus lindos peitos não merecem respeito,
marionetes alienadas, vocês não tem jeito.
Eu não sou agressivo, contundente talvez,
o Pensador dá valor às mulheres, mas não vocês,
vocês são o mais puro retrato da falsidade,
desculpe amor mas eu prefiro mulher de verdade

E, não se esqueça que o problema não está no cabelo, está na cabeça,
Nem todas são sócias da farmácia.
Tem muita Loira burra de cabelo preto e castanho por ai.
E, Loira burra morena, ruiva, preta, loira burra careca.
Tem a Loira burra natural também, cada Loira burra é de um jeito,
mas todas são iguais. Você está me entendendo. Preste atenção:
Eu gosto é de mulher!

Gabriel O Pensador

Samba Clássico.

Sei que este vídeo é um pouco antigo, mas estamos em época de carnaval e acho oportuno. Ouvi outro dia desses um debate sobre música clássica, e alguém falou que não gostava pois não tinha "molejo". Na verdade tem sim, depende do andamento e da forma que se toca. Inclusive - e é o exemplo que dou - Mozart é altamente "swingado", é só apurar os ouvidos! Escutem o exemplo. Acho-o perfeito!

domingo, 29 de janeiro de 2012

Na natureza selvagem.

Há algum tempo (2006) li sobre o projeto de um filme baseado no livro do jornalista Jon Krakauer "Na Natureza Selvagem". Havia realmente me esquecido disso, e há uns dois anos vi finalmente o filme.
Confesso que ainda não li a obra, o único livro que li do Krakauer foi "No Ar Rarefeito", e gostei muito. Para quem não conhece, é a história de uma tragédia que ocorreu com dois grupos de escaladas "comerciais" ao Everest, e se tornou filme também.
Na Natureza Selvagem - Into the Wild, no original - conta a história, real, de um jovem de família rica do leste americano encontrado morto de inanição no Alaska. Inicia-se a investigação da trajetória do jovem Chris McCandless até ali. Revela a América dos que vivem à margem, pegando carona ou circulando em carros velhos, vivendo em acampamentos e cidades-fantasmas. Mergulha no mundo da cidadezinha rural, onde homens rudes bebem e conversam sobre o tempo e a colheita. Compara a história do jovem com a de outros aventureiros solitários que tiveram fim trágico.
O filme é espetacular. Com direção de Sean Penn e trilha de Eddie Vedder (do Pearl Jam), narra com extrema sensibilidade a fuga de Chis de seu mundo materialista e da hipocrisia em sua família. Altamente influenciado por suas leituras, principalmente Thoreau e Tolstoi, é um cara extremamente simpático, uma pessoa que faz amigos com facilidade, com uma simpatia espontânea, onde apenas se vê uma certa tristeza interior, não obstante toda a força que possui.
Duas sequencias que pra mim são espetaculares: ele passa por uma cidade grande e se imagina como um yupiezinho engravatado e sente nojo; e próximo ao fim do filme, o encontro dele com um senhor viúvo.
O filme é lindo, indico a todos verem, e vou buscar rapidamente o livro pra ler.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Para refletirmos.

"Sentir compaixão não é o bastante. É preciso agir. A ação pressupõe dois momentos: o primeiro é quando vencemos as distorções e aflições de nossa própria mente, aplacando ou até mesmo nos livrando da raiva. Este é o fruto da compaixão. O segundo é de caráter social, de âmbito público. Quando alguma atitude precisa ser tomada para corrigir erros neste mundo e a pessoa está sinceramente preocupada com seus semelhantes, então tem de se engajar, se envolver"
"Quando educamos nossas crianças para adquirirem conhecimentos sem compaixão, é muito provável que sua atitude para com os outros venha a ser uma combinação de inveja daqueles que ocupam posições superiores às suas, competitividade agressiva para com seus pares e desdém pelos menos afortunados, o que leva a uma propensão para a ganância, para a presunção, para os excessos e, muito rapidamente, para a perda da felicidade. Conhecimento é importante. Muito mais, porém, é o uso que lhe damos. Isso depende da mente e do coração de quem o usa."
"Se a espécie humana fosse intrinsecamente agressiva, teríamos nascido com garras e dentes afiados - mas os nossos são miúdos. bonitos e muito frágeis! Tudo isto significa que não temos a aparelhagem básica para agirmos como seres agressivos. Até mesmo a nossa boca é bem pequena. Em vista disso, acredito que a natureza básica da espécie humana deve ser pacífica."
"A sociedade industrial moderna às vezes me dá a impressão de ser uma imensa máquina autopropulsionada. Ao invés de os seres humanos acionarem as máquinas, cada indivíduo torna-ser um pequeno componente insignificante sem outra opção a não ser mover-se quando a máquina move. O que gera essa situação é a retórica contemporânea de crescimento e desenvolvimento econômico, que reforça intensamente a tendência das pessoas para a competitividade e a inveja. E com isso vem a percepção da necessidade de manter as aparências - por si só uma importante fonte de problemas, tensões e infelicidade."
Sua Santidade, o Dalai-Lama.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cartas Inglesas de Voltaire.

François Marie Arouet, mais conhecido pelo seu pseudônimo, Voltaire, nasceu em Paris em 1694. Seu pai queria vê-lo estudando direito para se tornar um advogado e o colocou no colégio Louis Le Grand, de professores jesuítas. Ainda bem menino, um relatório dos professores assim o descreveu: "rapaz de muito talento, mas patife notável," Era um gênio ácido e sarcástico. Volta e meia se metia em confusões e em 1717 foi preso na Bastilha por ter escrito anedotas sobre o regente, o Duque de Orléans. Ao sair, arrumou outra confusão com o duque de Sully, e desta vez preferiu se exilar na Inglaterra. Este exílio foi decisivo para seu crescimento intelectual e filosófico, pois lá se relacionou com pesos pesados como Alexander Pope, Jonathan Swift, Berkeley e Clarke. Foi o principal divulgador do pensamento inglês no continente europeu, principalmente a teoria empirista e a nova visão do mundo revelada por Isaac Newton, através de correspondências que posteriormente seriam publicadas sob o nome de Cartas Filosóficas. Essas Cartas Filosóficas foram condenadas à fogueira por desrespeito às autoridades e por serem contrárias à religião e aos bons costumes. Sentindo que poderia novamente passar mais um período na Bastilha refugia-se no castelo de Cirey de propriedade de sua amante, a Marquesa de Châtelet.
Vejam um trecho que acho fantástico:
Sexta Carta - Sobre os Presbiterianos
(...)Como os padres desta seita vivem de pagas muito medíocres, não podendo gozar os mesmos luxos que os bispos, decidiram naturalmente clamar contra as honras que não podem alcançar.(...)Trataram o Rei Carlos II (...)quando tomaram armas por ele contra Cromwell, que os enganara, faziam o pobre rei aguentar quatro sermões por dia. Proibiam que jogasse; exigiam que penitenciasse, a tal ponto que Carlos II cansou-se de ser rei desses mestres enfatuados e fugiu de suas mãos como um estudante escapole do colégio.
(...)Possuidores de algumas igrejas na Inglaterra, esses senhores introduziram na região a moda do ar grave e severo. Deve-se a eles a santificação do domingo nos três reinos: nesse dia é proibido trabalhar e divertir-se, portanto a severidade é dupla comparada à Igreja Católica. Nada de ópera, nem de comédia, nem de concertos aos domingos em Londres. Até mesmo o baralho é expressamente proibido, e só as pessoas de qualidade - chamadas gente honesta - jogam nesse dia. O resto da nação vai ao sermão, ao botequim e ao bordel.
Entrai na Bolsa de Londres, praça mais respeitável do que muitas cortes. Aí vereis reunidos, para a utilidade dos homens, deputados de todas as nações. O judeu, o maometano e o cristão negociam reciprocamente como se pertencessem todos à mesma religião. Só é infiel que vai à bancarrota. O presbiteriano confia no anabatista, e o anglicano, na promessa do quaker. Ao sair dessas assembleias livres e pacíficas, uns vão à sinagoga, outros vão beber. Um vai ser batizado numa grande cuba de água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Outro leva o filho para que lhe cortem o prepúcio e despejem sobre sua cabeça resmungos hebraicos incompreensíveis. Outros vão à sua igreja e, enchapelados, esperam a inspiração de Deus. E todos estão contentes.
Se houvesse uma única religião na Inglaterra, o despotismo seria temível; se houvesse duas, uma degolaria a outra; mas como há trinta, vivem felizes e em paz.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O Verão de Vivaldi.

Esta postagem é especial para quem comentou a postagem anterior, Música Clássica. Uma breve amostra que o clássico pode ser "agitado". Este é heavy metal! É o terceiro movimento do Verão, da obra as Quatro Estações de Vivaldi, composto em 1723. Este movimento representa as tempestades típicas do verão. Estamos no meio dele...ouçam!

A Ópera do Malandro. Geni e o Zepelim.

Já havia "falado" a respeito do Vinicius. Outro cara que tenho imensa admiração é o Chico Buarque. Da mesma forma que aquele, empresta sua genialidade a temas populares e aos marginalizados. Uma obra que conheço desde criança, e tive a oportunidade de vê-la encenada em 2006 sob a direção de Charles Moeller e Claudio Botelho no Carlos Gomes, é a Ópera do Malandro. Sem igual! A trilha é fabulosa. Indico a todos verem e ouvirem. Ontem, não lembro bem o por quê, me recordei particularmente da música Geni e o Zepelim. Para quem ainda não a conhece, peço que ouçam com bastante atenção. Métrica e rimas perfeitas, e reparem no conteúdo... a história da música. Ratifica a genialidade a temas marginalizados.
Simplesmente genial, ouçam!


Geni e o Zepelim.
De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada.
O seu corpo é dos errantes,
Dos cegos, dos retirantes;
É de quem não tem mais nada.
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina,
Atrás do tanque, no mato.
É a rainha dos detentos,
Das loucas, dos lazarentos,
Dos moleques do internato.
E também vai amiúde
Co'os os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir.
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir:

"Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!"

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante,
Um enorme zepelim.
Pairou sobre os edifícios,
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim.
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia,
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "Mudei de idéia!
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniqüidade,
Resolvi tudo explodir,
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir".

Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar;
Ela é boa de cuspir;
Ela dá pra qualquer um;
Maldita Geni!

Mas de fato, logo ela,
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro.
O guerreiro tão vistoso,
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro.
Acontece que a donzela
(E isso era segredo dela),
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre,
Tão cheirando a brilho e a cobre,
Preferia amar com os bichos.
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão:
O prefeito de joelhos,
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão.

Vai com ele, vai Geni!
Vai com ele, vai Geni!
Você pode nos salvar!
Você vai nos redimir!
Você dá pra qualquer um!
Bendita Geni!

Foram tantos os pedidos,
Tão sinceros, tão sentidos,
Que ela dominou seu asco.
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco.
Ele fez tanta sujeira,
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir,
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir:

"Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Boechat sobre o caso Pinheirinhos e Brecht.

Não vou escrever muito sobre. Vou deixar para os leitores ouvirem os comentários de extrema lucidez do Boechat sobre o caso Pinheirinhos. E analisem os poemas de Bertold Brecht.



Nada É Impossível De Mudar

Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural.
Pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural.
Nada deve parecer impossível de mudar.

O Analfabeto Político

O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo da vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político
é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo
que odeia a política.
Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado
e o pior de todos os bandidos:
O político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio
das empresas nacionais e multinacionais.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

No Rio de Janeiro, há magistrados que chegam a ganhar 150 mil por mês, e o presidente do Tribunal acha que é normal.

Pessoal, leiam o texto da Tribuna da Imprensa:

"O Estadão revela que os pagamentos milionários a magistrados estaduais de São Paulo se reproduzem no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A folha de subsídios do TJ-RJ mostra que desembargadores e juízes, mesmo aqueles que acabaram de ingressar na carreira, chegam a ganhar mensalmente de R$ 40 mil a R$ 150 mil. A remuneração de R$ 24.117,62 é hipertrofiada por “vantagens eventuais”. Alguns desembargadores receberam, ao longo de apenas um ano, R$ 400 mil, cada, somente em penduricalhos.
A folha de pagamentos, que o próprio TJ divulgou em obediência à Resolução 102 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – norma que impõe transparência aos tribunais -, revela que em dezembro de 2010 o mais abastado dos desembargadores recebeu R$ 511.739,23.
Outro magistrado recebeu naquele mês depósitos em sua conta que somaram R$ 462 mil, além do salário. Um terceiro desembargador recebeu R$ 349 mil. No total, 72 desembargadores receberam mais de R$ 100 mil, sendo que 6 tiveram rendimentos superiores a R$ 200 mil.
Os supercontracheques da toga fluminense, ao contrário do que ocorre no Tribunal de Justiça de São Paulo, não são incomuns. Os dados mais recentes publicados pela corte do Rio, referentes a novembro de 2011, mostram que 107 dos 178 desembargadores receberam valores que superam com folga a casa dos R$ 50 mil. Desses, quatro ganharam mais de R$ 100 mil cada – um recebeu R$ 152.972,29.
A folha de pagamentos do tribunal indica que, além do salário, magistrados têm direito a inúmeros benefícios, como auxílio-creche, auxílio-saúde, auxílio-locomoção, ajuda de custo, ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-refeição, auxílio-alimentação.
Os magistrados do Rio desfrutam de lista extensa de vantagens eventuais – tais como gratificação hora-aula, adicional de insalubridade, adicional noturno, gratificação de substituto, terço constitucional de férias, gratificação de Justiça itinerante, correção abono variável, abono de permanência, parcela autônoma de equivalência, indenização de férias.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Manoel Alberto Rebelo dos Santos, afirma que a falta de juízes no Estado explica o pagamento de salários de até R$ 150 mil, acima da remuneração de R$ 24.117,62, conforme revelado pelo Estado. Em entrevista à rádio ‘Estadão ESPN’, nesta terça-feira, o desembargador afirmou que magistrados têm de acumular trabalho e por essa razão recebem verbas extras.
A folha de subsídios do TJ-RJ mostra que desembargadores e juízes, mesmo aqueles que acabaram de ingressar na carreira, chegam a ganhar mensalmente de R$ 40 mil a R$ 150 mil. A remuneração de R$ 24.117,62 é hipertrofiada por “vantagens eventuais”. Em dezembro de 2010, um desembargador recebeu R$ 511.739,23. A folha de pagamentos do tribunal indica que, além do salário, magistrados têm direito a inúmeros benefícios, como auxílio-creche, auxílio-saúde, auxílio-locomoção, ajuda de custo, ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-refeição, auxílio-alimentação.
Manoel Alberto Rebelo dos Santos explicou que as verbas de natureza indenizatória não estão limitadas ao teto constitucional e por isso o pagamento é constitucional. “Ou os juízes vendem férias ou ficamos sem juízes para colocar nas comarcas”, insistiu."


Sei que estou saindo um pouco do propósito do blog, mas vamos lá:
Juro que não vou ficar escrevendo que isto é um absurdo, que é tudo ladrão, e coisas do gênero. Acho que isso enche o saco e já está mais do que manjado. Daqui a pouco chega o carnaval e tudo isto é esquecido, ou vai haver algum tipo de investigação que não vai dar em nada. Sinceramente, já estamos mais do que acostumados a esse tipo de coisas. Lembram-se do aumento dos salários dos deputados e senadores ano passado? Lembram-se do mensalão, Valerioduto, parentes do Sarney, juiz Lalau, sete anões, Ministério dos Transportes, Turismo, Esportes, etc, etc, etc, e etc...?
O que me chamou mais a atenção neste caso é de onde ele vem. Do Tribunal de Justiça.
Acho que todos os magistrados devem ser muito bem remunerados. Sinceramente. Devem ganhar muito bem, visto a responsabilidade de suas ações, saber jurídico, anos de estudo, incorruptibilidade, e muitos outros motivos.
Tenho certeza que todos os 178 desembargadores sabem muito a respeito de todas as áreas do direito, e acredito também no Meritíssimo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Manoel Alberto Rebelo dos Santos, sobre a legalidade dos pagamentos.
Mas a questão que me intriga é a seguinte: pode ser legal, mas é justa?
Dia 23 deste mês de janeiro li uma notícia interessante: entre os trinta países que mais arrecadam impostos no mundo, a população brasileira é a que tem menos retorno dos impostos que paga ao governo, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. E observemos o seguinte: nos países do Primeiro Mundo com os maiores índices de IDH, a diferença salarial entre simples operários e diretores de empresas, raramente ultrapassa o patamar de 10 vezes. Aliás, a amplitude da diferença salarial em um país é um dos quesitos de medida de igualdade e justiça social, e claro, de desenvolvimento. Mas, aqui no Brasil, mesmo no setor público essa diferença chega a 50 e 100 vezes. Neste caso citado, o desembargador que mais recebeu em novembro de 2011 ganhou mais de 230 salários mínimos! Segundo o Censo 2010 do IBGE, 56% dos domicílios brasileiros têm renda per capita menor que um salário mínimo por mês.
Não devemos esquecer que o objeto filosófico e de trabalho de todo juiz é a justiça. Creio que deva ser a meta infalível de todos eles: JUSTIÇA.
Será que realmente acham justo receberem tal salário em um país como o nosso?

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Música Clássica

Adoro música clássica, realmente. Costumo ir a concertos, ouço em casa, compro cd´s... Há tempos tenho esse gosto, e muito agradeço ao meu avô por isso. Desde que me entendo por gente me lembro dele ouvindo as músicas e me contando as histórias das vidas de alguns compositores. Quando vi o filme Amadeus de Millos Forman fiquei maravilhado. Quem não viu deve ver, é espetacular. Eu tinha oito anos há época, e não tinha a real noção da grandiosidade de Mozart como hoje o tenho. Era um gênio. Pesquisando sobre sua vida descobri que o filme apenas não traduz exatamente a questão - central, diga-se de passagem - da relação entre o Salniere e Mozart. Na verdade, Mozart é que supostamente invejava Salniere, devido a sua alta posição como músico da corte, mas em seguida fica lisonjeado com os elogios feitos por este, e mantiveram uma recíproca admiração. A história do filme foi baseada em uma outra, escrita em uma época do romantismo em que para o "herói" deveria haver um "vilão", e para este papel foi escolhido o pobre Salniere, um excelente músico, na realidade, mas que não causou as desgraças ocorridas na história real. Talvez essa escolha tenha sido causada por um fato inusitado: segundo alguns relatos de amigos, antes de morrer, Salniere havia dito que tentara envenenar Mozart, porém já estava mentalmente perturbado e não mais falava coisa com coisa. Além disso, hoje em dia se sabe quem fez o pedido de composição do famoso Réquiem inacabado - que no filme foi atribuído a Salniere: Foi o conde Walsegg-Stuppach, que pedira anonimato quanto a encomenda.
Bom... histórias à parte, o homem foi um gênio e sua música um grande monumento a humanidade.
Entre muitas, estas eu acho fabulosas:


domingo, 22 de janeiro de 2012

O Pagador de Promessas - Dias Gomes

Para mim, uma das maiores obras do teatro brasileiro. O Pagador de Promessas reúne todos os elementos da tragédia clássica, mas com tipos genuinamente nordestinos. Nunca a vi encenada, mas já li e reli o livro várias vezes. A saber: Zé do Burro, na sua ingênua religiosidade arcaica, faz uma promessa a Iansã, em um terreiro de candomblé para salvar seu burro - levar uma enorme cruz nas costas até a Igreja de Santa Bárbara em Salvador. Ao chegar, recebe a negativa do padre para a concretização da promessa, entrar com a cruz na igreja, pois a promessa foi feita em um terreiro. Um simples tema com um andamento e desfecho magníficos.
Transcrevo a nota do próprio Dias Gomes sobre sua esplêndida e atualíssima obra, desejando que todos tenham o ímpeto de lê-la.
"O homem, no sistema capitalista, é um ser em luta contra uma engrenagem social que promove a sua desintegração, ao mesmo tempo que aparenta e declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O Pagador de Promessas é a história de um homem que não quis conceder - e foi destruído. Seu tema central é, assim, o mito da liberdade de escolha, a sociedade burguesa não fornece ao indivíduo os meios necessários ao exercício dessa liberdade, tornando-a, portanto, ilusória. Claro, há também a intolerância, o sectarismo, o dogmatismo, que fazem com que vejamos inimigos naqueles que, de fato, estão do nosso lado. Há, sobretudo, a falta de uma linguagem comum entre os homens. Tudo isso tornando impossível a dignidade humana. São peças da engrenagem homicida.
Como Zé do Burro, cada um de nós tem suas promessas a pagar. A Deus ou ao Demônio, a uma Idéia. Em uma palavra, à nossa própria necessidade de entrega, de afirmação. E cada um de nós tem pela frente o seu "Padre Olavo". Ele não é símbolo da intolerância religiosa, mas de intolerância universal. Veste batina, mas poderia vestir farda ou toga. É padre, podia ser dono de um truste. E Zé do Burro, crente do interior da Bahia, podia ter nascido em qualquer parte do mundo, muito embora o sincretismo religioso e o atraso social, que provocam o conflito ético, sejam problemas locais, façam parte de uma realidade brasileira. O Pagador de Promessas não é uma peça anticlerical - espero que isso seja entendido. Zé do Burro é trucidado não pela Igreja, mas por toda uma organização social, na qual somente o povo das ruas com ele confraterniza e a seu lado se coloca, inicialmente por instinto e finalmente pela conscientização produzida pelo impacto emocional de sua morte. A invasão final do templo tem nítido sentido de vitória popular e destruição de uma engrenagem da qual, é verdade, a Igreja como instituição faz parte.
O Pagador de Promessas é uma fábula. Sua história é inteiramente imaginária, não obstante esteja toda ela construída sobre elementos folclóricos ou sociológicos que exprimem uma realidade. O sincretismo religioso que dá motivo ao drama é fato comum nas regiões brasileiras que, ao tempo da escravidão, receberam influência de cultos africanos. Não podendo praticar livremente esses cultos, procuravam os escravos burlar a vigilância dos senhores brancos, fingindo cultuar santos católicos, quando, na verdade, adoravam deuses nagôs. Assim, buscavam uma correspondência entre estes e aqueles - Oxalá (o maior dos orixás) identificou-se com Nosso Senhor do Bonfim, o santo de maior devoção da Bahia. Oxóssi, deus da caça, achou o seu símile em São Jorge, Exú, orixá malfazejo, foi equiparado ao diabo cristão. E assim por diante. Por isso, várias festas católicas, na Bahia (como em vários estados do Brasil), estão impregnadas de fetichismo, com danças, jogos e cantos de origem africana. Entre elas a de Santa Bárbara (Iansã na mitologia negra), que serve de cenário ao drama. É evidente que a Igreja Católica reage a esse sincretismo. E a oposição de Padre Olavo é perfeitamente lógica, dentro dos princípios de defesa da religião cristã, muito embora revele uma intolerância também inerente a esse culto.
Mas o que nos interessa não é o dogmatismo cristão, a intolerância religiosa - é a crueldade de uma engrenagem social construída sobre um falso conceito de liberdade. Zé do Burro, por definição, é um homem livre. Por definição apenas. O que nos importa é a exploração de que ele é vítima - exploração que constitui também um dos alicerces da sociedade em que vivemos.
O Pagador de Promessas nasceu, principalmente, dessa consciência que tenho de ser explorado e impotente para fazer uso da liberdade que, em princípio, me é concedida. Da luta que travo com a sociedade, quando desejo fazer valer meu direito de escolha, para seguir o meu próprio caminho e não aquele que ela me impõe. Do conflito interior em que me debato permanentemente, sabendo que o preço da minha sobrevivência é a prostituição total ou parcial. Zé do Burro faz aquilo que eu desejaria fazer - morre para não conceder. Não se prostitui. E sua morte não é inútil, não é um gesto de afirmação individualista, porque dá consciência ao povo, que carrega seu cadáver como bandeira."

Ai se eu te pego...

Hoje em dia não temos muito o direito de escutarmos o que quisermos. Já havia iniciado este assunto na última postagem, porém aconteceu um fato que me fez continuar com o tema: na televisão estava passando um anúncio com a música "Ai se eu te pego" do tal do Michel Teló; simultaneamente passou um carro com som extremamente alto tocando a mesma música; e como se não bastasse, um garoto parou com uns amigos em frente de onde eu estava com aquelas caixas de som com baterias - desagradabilíssimas - com a mesma música!
Tenho idade e experiência suficientes para saber que isto não é inédito, da mesma forma como os motivos financeiros dos meios que massificam estas músicas da moda e blábláblá... mas enche o saco! Não tenho nada contra o cantor e compositor desta música, ele está ganhando a vida com o trabalho.
Não vou ficar aqui falando mal de um cara que eu não conheço, e que pode ser até uma boa pessoa fazendo o que o pagam para fazer e muita gente compra. Talvez o motivo real dessa encheção de saco seja o grande público que a escuta e gosta, e que faz com que surjam essas "músicas chiclete". As gravadoras sabem que a imensa maioria das pessoas, infelizmente, não têm bom gosto.
Vamos fazer uma pequena análise racional desta música:
Nossa, nossa
Assim você me mata
Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego
Delícia, delícia
Assim você me mata
Sábado na balada
A galera começou a dançar
E passou a menina mais linda
Tomei coragem e comecei a falar.

E fica repetindo as mesmas frases. Apenas trinta e uma palavras que não dizem absolutamente quase nada. Imaginemos a cena: o cara está em uma balada com os amigos e passa uma mulher linda, ele a paquera desta forma - nossa, assim você me mata...ai se eu te pego, delícia! Pronto! simples e definitivamente isso! Agora, peço mais um pouco de imaginação: nos coloquemos no lugar da mulher. Será que ela iria ficar realmente excitada de ouvir uma cantada dessas? Será que ela acharia interessante o cara que fala isso pra ela? E no caso de assim o achar será que ela valeria a pena ser "pega" ou seu nível intelectual seria sofrível ao ponto de se houver algum tipo de relação entre ambos, o cara, no fim se perguntar: o que fazer com este corpo sem cérebro?
Bom, deixo para vocês leitores essas dúvidas e esse exercício imaginativo.
Eu vou aqui apresentar duas opções musicais que acho melhores, aliás, bem melhores, para a arte da conquista. Vale a dica. Uma nacional e outra estrangeira. Gostaria que as mulheres que lerem essa postagem comentem o que preferirem e se tenho razão. Eu acho que a comparação é covardia de minha parte...mas vamos lá!

sábado, 21 de janeiro de 2012

O Rappa e Jimi Hendrix.

Ainda bem que existe uma banda como O Rappa para salvar nossos ouvidos desse lixo comercial que os invadem a todo instante. Basta andar pelas ruas ou escutar um pouquinho as radiozinhas da moda que repetem o mesmo repertório de bosta a cada hora para entenderem o que escrevo. Enche o saco. Para quem curte rádio, eu sugiro uma "limpeza auricular" através da Oi FM, JB FM, Paradiso FM...três estações que me recordo agora que têm uma boa programação, além, é claro, da MEC FM para os clássicos. Quanto às ruas, não vejo solução para os carros com som alto. A propósito... alguém já viu ou ouviu um carro com aqueles aparelhos sonoros hiperbólicos tocando algo que preste? Eu nunca vi! Gostaria que alguém registrasse caso se deparasse com um.
Coloco aqui a versão e o original de um "puta" som. Não sei ainda qual é o melhor. Coloquem suas opiniões.


hey joe
onde é que você vai
com essa arma aí na mão
hey joe
esse não é o atalho
pra sair dessa condição
dorme com tiro acorda ligado
tiro que tiro trik-trak boom
para todo lado

meu irmão, é só desse jeito
consegui impor minha moral
eu sei que sou caçado
e visto sempre como um animal
sirene ligada os homi
chegando trik-trak
boom boom
mas eu vou me mandando

hey joe
assim você não curte o brilho
intenso da manhã
acorda com tiro dorme com tiro
hey joe
o que o teu filho vai pensar
quando a fumaça baixar
fumaça de fumo
fogo de revólver
e é assim que eu faço,
eu faço a minha história

meu irmão, aqui estou por causa dele
e vou te dizer
talvez eu não tenha vida
mas é assim que vai ser
armamento pesado
o corpo é fechado
eu quero é mais ver
mas vai ser difícil de me deter
hey joe
muitos castelos já caíram e você ta na mira
Tá na mira, tá na mira, tá na mira
hey joe
muitos castelos já caíram e você ta na mira
Também Morre quem atira...
Também morre quem atira...
Também morre quem atira...
menos de 5% dos caras do local
são dedicados a alguma atividade marginal
e impressionam quando aparecem nos jornais
tapando a cara com trapos
com uma uzi na mão
parecendo árabes árabes árabes do caos.
sinto muito cumpadi
mas é burrice pensar
que esses caras
é que são os donos da biografia
já que a grande maioria
Daria um livro por dia
sobre arte, honestidade e sacrifício


Hey, Joe, where you goin' with that gun in your hand?
Hey, Joe, I said where you goin' with that gun in your hand?
I'm goin' down to shoot my old lady
You know I caught her messin' 'round with another man
Yeah, I'm goin' down to shoot my old lady
You know I caught her messin' 'round with another man
Huh, and that ain't too cool
Hey Joe, I heard you shot your woman down
You shot her down
Hey Joe, I heard you shot your old lady down
You shot her down to the ground, yeah
Yes, I did, I shot her
You know I caught her messin' 'round
Messin' 'round town
Yes I did, I shot her
You know I caught my old lady messin' 'round town
And I gave her the gun and I shot her
Alright
Shoot her one more time again, baby
Yeah
Ah, dig it
Ah, alright
Hey Joe, said now
Where you gonna run to now, where you gonna run to?
Hey Joe, I said
Where you goin' to run to now, where you, where you gonna go?
Well, dig it
I'm goin' way down south, way down south
Way down south to Mexico way
Alright
I'm goin' way down south
Way down where I can be free
Ain't no one gonna find me baby
Ain't no hangman gonna
He ain't gonna put a rope around me
You better believe it right now
I gotta go now
Hey, hey, hey Joe
You better run on down
Goodbye everybody, ow

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Operário em Construção e Poema para Gilberto Amado

Mais duas do Vinicius que acho espetaculares. Apreciem sem moderação!


O operário em construção

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Poema para Gilberto Amado

O homem que pensa
Tem a fronte imensa
Tem a fronte pensa
Cheia de tormentos.
O homem que pensa
Traz nos pensamentos
Os ventos preclaros
Que vêm das origens.
O homem que pensa
Pensamentos claros
Tem a fronte virgem
De ressentimentos.
Sua fronte pensa
Sua mão escreve
Sua mão prescreve
Os tempos futuros.
Ao homem que pensa
Pensamentos puros
O dia lhe é duro
A noite lhe é leve:
Que o homem que pensa
Só pensa o que deve
Só deve o que pensa

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Vinicius de Moraes.

De todos os poetas brasileiros, Vinicius de Moraes é o que mais aprecio. A sensibilidade com que escreve sobre temas tão populares para mim é inigualável. Faz a síntese perfeita do clássico com o popular. Sugiro a todos verem o filme biográfico Vinicius. Ao vê-lo entendi o porquê dessa linda mistura.
Irei, a partir de agora, postar algumas poesias deste gênio, segundo ele próprio, "o branco mais preto do Brasil".
Saravá, Vinicius!

Olhe aqui, Mr. Buster *
* Este poema é dedicado a um americano simpático, extrovertido e podre de rico, em cuja casa estive poucos dias antes de minha volta ao Brasil, depois de cinco anos de Los Angeles, EUA. Mr. Buster não podia compreender como é que eu, tendo ainda o direito de permanecer mais um ano na Califórnia, preferia, com grande prejuízo financeiro, voltar para a "Latin America", como dizia ele. Eis aqui a explicação, que Mr. Buster certamente não receberá, a não ser que esteja morto e esse negócio de espiritismo funcione.

Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo
Que o Sr. tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills.
Está muito certo que em seu apartamento de Park Avenue
O Sr. tenha um caco de friso do Partenon, e no quintal de sua casa em Hollywood
Um poço de petróleo trabalhando de dia para lhe dar dinheiro e de noite para lhe dar insônia
Está muito certo que em ambas as residências
O Sr. tenha geladeiras gigantescas capazes de conservar o seu preconceito racial
Por muitos anos a vir, e vacuum-cleaners com mais chupo
Que um beijo de Marilyn Monroe, e máquinas de lavar
Capazes de apagar a mancha de seu desgosto de ter posto tanto dinheiro em vão na guerra da
Coréia.
Está certo que em sua mesa as torradas saltem nervosamente de torradeiras automáticas
E suas portas se abram com célula fotelétrica. Está muito certo
Que o Sr. tenha cinema em casa para os meninos verem filmes de mocinho
Isto sem falar nos quatro aparelhos de televisão e na fabulosa hi-fi
Com alto-falantes espalhados por todos os andares, inclusive nos banheiros.
Está muito certo que a Sra. Buster seja citada uma vez por mês por Elsa Maxwell
E tenha dois psiquiatras: um em Nova York, outro em Los Angeles, para as duas "estações" do
ano.
Está tudo muito certo, Mr. Buster - o Sr. ainda acabará governador do seu estado
E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas.
Mas me diga uma coisa, Mr. Buster
Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster:
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?
O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?
O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?

E por hoje encerro com esta. Vejam o que o gênio escreve sobre as tão marginalizadas prostitutas. Fantástico!

Balada do mangue
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Lœlia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé,
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes,
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabras, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!

Adorável Vagabundo.

Seu pai chamava-se Charles. Era ator e cantor de music hall. Alcoólatra, morreu de cirrose em 1901. Teve muito pouco contato com seu genial filho, que tinha doze anos quando faleceu. Sua mãe, Hannah, também era atriz e cantora de music hall. Um problema de laringe acabou com sua carreira em 1894, e logo depois foi internada no asilo Cane Hill por problemas mentais. Frequentou escolas e internato para pobres e órfãos. Começou a fazer números com o irmão em music halls para sobreviverem. Eram talentosíssimos e foram para os Estados Unidos tentar ganhar a vida com espetáculos. E o mundo conheceu um novo gênio.
Não me alongarei muito nessa biografia. Estou me referindo ao ator, escritor, compositor, dançarino, roteirista, diretor Charles Chaplin. Pra mim o maior gênio do cinema.
Outro dia apresentei um dos filmes ao meu filho, então com oito anos. Percebi que ele ria da mesma forma que o fiz quando eu tinha seis, minha primeira lembrança de "O garoto". Hoje em dia, do alto de toda a tecnologia cinematográfica, percebemos a marca do gênio: ele é atemporal. A simplicidade de produção, a falta (até determinada época) de fala, de coloração, torna-se mero detalhe. O talento se sobrepõe à limitações tecnológicas, e também ao tempo.
Com sensibilidade magnífica, consegue nos fazer rir e chorar diversas vezes em um mesmo filme.
Eis aqui as palavras de outro gênio, Carlos Drummond de Andrade em Canto ao homem do povo:

Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.
Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.
Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.
Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.
Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração,
os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos,
os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.
E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.
(...)ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.

Sir Charles Spencer Chaplin, onde quer que esteja, nós, homens-meninos, te agradecemos!


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Nova Roupagem - Vinheteiro.

O talento consegue superar tudo! Que tremendo bom gosto! O Fabrício de Paulo, o tal Vinheteiro, é um excelente músico e coloca uma nova roupagem em temas conhecidos. Imperdível! Parabéns Vinheteiro! Vejam-no em http://vinheteiro.com/?page_id=880

E vejam também uma palhinha aqui:


sábado, 14 de janeiro de 2012

Nomes da Guerra

Na idade média o alto status social do homem era definido ou pela igreja ou pela guerra. Segundo o historiador Georges Duby: "era uma sociedade voltada para a agressão". As características dessa época podem ser definidas como um misto de elementos vindos do Império Romano e do mundo germânico, "mundos" diferentes, mas muito parecidos ao que se refere ao valor dado à guerra. A importância era tanta, que se tornou algo "sagrado", mágico. A morte na batalha era a maior glória esperada pelo guerreiro. Podemos conferir isso nos cantos, poesias e literatura da época. Era a "alegria da guerra". As armas dos guerreiros recebiam nomes, eram tratadas como entidades vivas, e deviam ser enterradas com seus donos. Um exemplo clássico era a Joiosa, a espada de Carlos Magno. Achei em um livro sobre as guerras a origem etimológica de alguns nomes de origem germânica para ilustrar esse caráter bélico do medievo. Vejam que interessante!:
Ricardo: rik (poderoso) e hard (ousado).
Armando: Heri ou werra (guerra) e man (homem).
Rogério: provém de Hrot e gar, que significa "lança poderosa".
Guilherme: na língua francesa, Guillaume, e em inglês William; provém da junção da palavra Wile (vontade) e helm (elmo).
Geraldo: junção dos termos ger (lança), e hard (ousado).
Luís: nome derivado de Clóvis(do francês Louis), associação de chlodo e wed, significando "combatente glorioso".

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Cirque du Soleil

Dispensa apresentações! Há dois anos fui ao Quidam, e foi um dos espetáculos mais impressionantes que já assisti. Porém gostaria que vissem um número do Dralion, pra mim um dos números mais impressionantes de malabarismo já visto feito pelo extraordinário Viktor Kee, nome artístico de Viktor Kiktev. Ucraniano, desde os quatro anos fazia ballet. Aos seis, seu irmão o levou para a escola de circo Uday. Treinou em diversas especialidades circenses, mas achou seu caminho -obviamente, vocês verão - no malabarismo. Em 1989 entrou para a Escola de Circo Profissional de Kiev, onde desenvolveu um treinamento altamente especializado de até quatorze horas por dia em malabarismo, teatro, dança e equilibrismo. Sua técnica chamou a atenção do coreógrafo Nicolay Baranov, e acrescentando contorcionismo e acrobacia, resolveram desenvolver um número inigualável. Ganhou inúmeros prêmios circenses em todo mundo, e em 1999 juntou seu número ao Dralion do Cirque du Soleil. Seu desempenho é majestoso! Sua inteligência corporal e equilíbrio surpreendentes! Chega de blábláblá... Eis Viktor Kee!

Sacanagem para evangélicos???!!!!

Senhoras e senhores leitores deste blog...sem querer me deparei com esta matéria na Yahoo Notícias, hoje, 12 de janeiro. Desculpem, não é muito o tipo de matéria que desejo para este blog, mas foi impossível não notá-lo. Abster-me-ei de comentá-lo.
Vejam na íntegra:
Evangélicos também gostam de sexo!
Religião e sexo nunca foram assuntos que andaram lado a lado. Para muitas crenças, o sexo é apenas parte do processo reprodutivo e o prazer é condenado. Outros acreditam que o sexo deva ser feito apenas depois do casamento e apenas com a pessoa que Deus escolheu para você.
E onde tem sexo, tem gente investindo para deixar tudo mais... divertido! É o que vem acontecendo, nos últimos anos, com a indústria gospel. Isso mesmo, indústria gospel relacionada ao mundo do sexo! Essa semana todo mundo resolveu falar de uma empresa que está produzindo filmes eróticos evangélicos. Todas as obras têm enfoque claro e seguem regras de conduta: os protagonistas dos filmes são casais — marido e mulher mesmo - na vida real, todas as cenas seguem preceitos do sexo cristão — e tem a religião como princípio -, nunca é extraconjugal e práticas como ménage, sadomasoquismo e nudismo (!) são impensáveis.
A ideia desses filmes é ensinar aos casais cristãos como eles podem ter e proporcionar prazer de acordo com a Bíblia — incluindo posições sexuais e tratamentos respeitosos ao órgão do outro. Mas a indústria do sexo gospel não é baseada apenas em filmes em que, pelo que eu entendi, rola sexo de roupa. Também há outras... atividades nesse mercado. Quer conhecer?
Sex shop para casais religiosos
Apimentar a relação de acordo com preceitos da Bíblia é a missão de alguns sex shops online. O Book 22 foi o primeiro deles e a história é que o casal que o criou estava, segundo o site NPR.com, cansado de buscar soluções para sua vida sexual e só encontrar pornografia.
Existe também o My Beloved Garden, que oferece produtos para casados. E há também o Intimacy of Eden. Mas não se assuste se o que você encontrar nessas lojas for igual ao que vê em outras sex shop, o que muda é só o nome. Eles vendem o produto e cada um usa como quer, então...
Pole dance para Jesus
Uma americana resolveu criar o esporte e fez algumas mudanças nas aulas convencionais de pole dance, ou dança do poste. Primeiro, as músicas: nada de música de boate, apenas louvores cristãos ou músicas gospel populares. Depois, os movimentos, que não são tão sensuais quando nas aulas normais, afinal, é um momento de adoração.
Além disso, é um exercício físico que deixa as mulheres mais fortes para lidar com os problemas do dia a dia.
"Eu acho que não há nada de errado com o que eu faço. Eu ensino mulheres a se sentir bem consigo mesmas, ensino elas a sentirem-se poderosas. Qualquer um que quiser me julgar, Crystal Deens, criadora da modalidade, para a rede de TV americana Fox News.
Swing gospel
Esse é o nome de um grupo musical que canta temáticas religiosas, mas não é sobre eles que estamos falando. O swing gospel do qual estamos falando é igualzinho àquele não religioso, em que as pessoas trocam de casal e fazem sexo por puro prazer, sem sentimentos ou ligações matrimoniais.
Não há uma casa especializada na prática também conhecida como "sono inocente", mas foram encontrados alguns anúncios em classificados sexuais de casais evangélicos procurando moças evangélicas para fazer parte do relacionamento.
E então, casais evangélicos também sofrem com a monotonia do sexo e curtem apimentar a relação de vez em quando?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Um presente dos árabes.

Chegara no ano de 773 em Madinat al Salam, a cidade da paz, Bagdá, uma caravana vinda da Índia carregada de presentes para o Califa Abu Ja'far Abdallah ibn Muhammad al-Mansur (712-775). Entre estes havia um extremamente especial.
Bagdá era uma cidade redonda. Uma muralha circular geometricamente perfeita a envolvia. No centro exato desse círculo havia a mesquita e o palácio do califa. Dessas duas construções partiam quatro largas ruas para as quatro direções da cidade terminando em quatro portões da Muralha, entradas e saídas da cidade. Por um desses portões, Khorasan, adentrara a caravana que trazia os presentes para o citado califa, o Comandante dos Crentes, descendente direto de Maomé, título supremo do Islã, que neste fim de século VIII já contava com um enorme número de fiéis entre a península Ibérica, Magreb, Líbia, Egito, Arábia, Síria, Turquia, Iraque, Irã, Cáucaso, Punjab e logo depois a Sicília.
Para essa grande população e área deveria haver, além da religião, outras formas de agregação. Era necessário sobretudo uma língua comum. Nascida no deserto e falada por poucos grupos, a jovem língua árabe era a eleita, mas era preciso enriquecê-la para que pudessem expressar as novas noções, conhecimentos, particularidades desses povos recém islamizados. Essa belíssima tarefa, "criar" uma nova língua precisava necessariamente dos livros.
Um bairro de Bagdá, el Karkh, houve o maior mercado de livros da história antiga. Obras de toda parte eram negociadas. Bagdá tornou-se a nova Alexandria. Depois de al-Mansur o lendário Harun al-Rachid,(766-809), para quem foi escrito As mil e uma noites, construiu a grande Biblioteca, herdeira legítima da egípcia. Seu filho, al-Mamun, construiu a Beith al-Hikma, a Casa da Sabedoria, um grande museu, além do observatório astronômico. Entretanto, todas as obras que chegavam à cidade ainda não eram escritas em árabe. Era preciso traduzi-las. Formou-se um vasto corpo de sábios tradutores. Tinham que ser sábios, haja vista a natureza das obras a que deviam traduzir. Imaginem que trabalho fascinate!!!... Meu deus...Traduzir textos científicos e filosóficos de todas as partes para uma língua ainda "bebê", e consequentemente, ajudando a formá-la. Vastas oficinas de caligrafia com centenas de escribas trabalhavam incessantemente para encher a Biblioteca.
Apenas para ilustrar a importância que davam ao conhecimento e aos livros: al-Mamun, (Abû al-`Abbâs al-Ma'mûn `Abd Allah ben Hârûn ar-Rachîd - 786-833) o fundador do observatório e da Casa da Sabedoria, racionalista, apaixonado por Aristóteles, reunia sábios de todas as religiões e os mantinha com extrema tolerância. Certa vez, após guerrear contra tropas bizantinas, fez muitos prisioneiros de guerra cristãos. Acordou com o Imperador Romano do Oriente a paz. Trocou os prisioneiros por livros. Entre esses, o Almagesto, tratado astronômico de Ptolomeu. Extrema elegância! Soldados por livros.
Bem...voltemos a caravana...Havia, como já havia dito um presente especial. Especial para toda a humanidade. Inclusive nos possibilitou de estarmos interagindo eletronicamente, ciberneticamente. Era o Siddhanta, um tratado de astronomia escrito séculos antes por Brahmagupta(589-668). Imediatamente traduzido, assumiu o nome árabe Sindhind. Havia na obra dez figuras geniais, de uma simplicidade majestosa, que revolucionaram o pensamento. Seus nomes: eka, dva, tri, catur, panca, sat, sapta, asta, nava...e o misterioso sunya, que em sânscrito significa "vazio". Na tradução para o árabe sunya virou sifr, depois para o latim, zephirum, e para o italiano zero.
Estava começando então, através dessas simples figuras indianas, toda uma aventura da humanidade em busca do conhecimento.

sábado, 7 de janeiro de 2012

A Arte de Falar Mal. Cemitério de Praga (2)

Que livro maravilhoso!... Mais uma "provinha". O protagonista, Simonini, em sua arte de falar mal:
Judeus - "...aqueles olhos que nos espiam, tão falsos que nos fazem empalidecer, aqueles sorrisos víscidos, aqueles lábios de hiena arreganhados sobre os dentes, aqueles olhares pesados, infectos, embrutecidos, aquelas dobras entre nariz e lábios sempre inquietas, escavadas pelo ódio, aquele nariz que parece o grande bico de uma ave austral... E o olho, ah, o olho... Gira febril na pupila da cor de pão tostado e revela enfermidades do fígado, corrompido pelas secreções produzidas por um ódio de 18 séculos,(...) além de vaidoso como um espanhol, ignorante como um croata, cúpido como um levantino, ingrato como um maltês, insolente como um cigano, sujo como um inglês, untuoso como um calmuco, autoritário como um prussiano, e maldizente como um astiense, é adúltero por um cio irrefreável..."
Alemães - "... o mais baixo nível concebível de humanidade. Um alemão produz em média o dobro das fezes de um francês. Hiperatividade da função intestinal em detrimento da cerebral(...)é típica do alemão a bromidrose, ou seja, o odor repugnante do suor(...)O alemão vive em um estado de perpétuo transtorno intestinal, resultante do excesso de cerveja e daquelas salsichas de porco com as quais se empanturra(...)O abuso da cerveja torna-os incapazes de ter a mínima ideia da sua vulgaridade(...)Levaram a sério um monge glutão e luxurioso como Lutero, só porque arruinou a Bíblia traduzindo-a para a língua deles. Alguém não disse que abusaram dos dois narcóticos europeus, o álcool e o cristianismo?(...) Desgraçadamente essa língua inexpressiva, com verbos que, ao ler, temos que procurar ansiosamente com os olhos, porque nunca estão onde deveriam estar,(...)"
Franceses - "Não amam seus semelhantes, nem quando tiram vantagem deles.(...)São maus. Matam por tédio. É o único povo que durante vários anos manteve seus cidadãos ocupados em se cortarem reciprocamente a cabeça, e a sorte foi que Napoleão desviou-lhes a raiva para os de outra raça, enfileirando-os para destruir a Europa. Orgulham-se de ter um estado que afirmam poderoso, mas passam o tempo tentando derrubá-lo: ninguém é tão eficiente como o francês em erguer barricadas por qualquer razão e qualquer sussurro do vento(...)O francês não sabe o que quer, exceto que sabe à perfeição que não quer aquilo que tem. E, para dizer isso, não sabe mais do que cantar canções.(...)Talvez sua ignorância seja efeito de sua avareza - o vício nacional(...)Enxertem, como se faz com as plantas, um francês com um judeu (talvez de origem alemã) e terão aquilo que temos, a terceira república..."
Italianos - "Os piemonteses, toda novidade os crispa, o inesperado os aterroriza;(...)napolitanos e sicilianos, eles mesmos mulatos não por erro de uma mãe meretriz, mas pela história de gerações, nascidos de cruzamentos entre levantinos desleais, árabes suarentos e ostrogodos degenerados, que herdaram o pior de seus antepassados híbridos: dos sarracenos a indolência, dos suevos a ferocidade, dos gregos a irresolução e o gosto por se perder em tagarelices até procurar cabelo em ovo.(...)O italiano é inconfiável, vil, traidor, sente-se mais à vontade com o punhal que com a espada, melhor com o veneno que com o fármaco, escorregadio nas negociações, coerente apenas em trocar de bandeira a cada vento(...)"
Os padres - "tenho a obscura lembrança de olhares fugidios, dentaduras estragadas, hálito pesado, mãos suadas que tentavam me acariciar a nuca. Que nojo. Ociosos, pertencem às classes perigosas, como os ladrões e os vagabundos. O sujeito se faz padre só para viver no ócio, e o ócio é garantido pelo número deles. Se fossem, digamos, um em mil almas, os padres teriam tanto o que fazer que não poderiam ficar de papo para o ar comendo capões. E entre os padres mais indignos o governo escolhe os mais estúpidos, e os nomeia bispos. Você começa a tê-los ao seu redor assim que nasce, quando o batizam; reencontra-os na escola, se seus pais tiverem sido suficientemente carolas para confiá-lo a eles; depois vêm a primeira comunhão, o catecismo e a crisma; lá está o padre no dia do seu casamento, a lhe dizer o que você deve fazer no quarto; e no dia seguinte, no confessionário, a lhe perguntar, para poder se excitar atrás da treliça, quantas vezes você fez aquilo. Falam-lhe do sexo com horror, mas todos os dias você os vê sair de um leito incestuoso sem sequer lavar as mãos, e vão comer e beber o seu Senhor, para depois cagá-lo e mijá-lo. Repetem que seu reino não é desse mundo, e metem as mãos em tudo o que podem roubar. A civilização não alcançará a perfeição enquanto a última pedra da última igreja não houver caído sobre o último padre, e a Terra estiver livre dessa corja.(...)A religião impeliu e impele às guerras, aos massacres dos infiéis, e isso vale para cristãos, muçulmanos e outros idólatras, e, se os negros da África se limitavam a se massacrar entre si, os missionários os converteram e os fizeram tornar-se tropa colonial, adequadíssima a morrer na primeira linha e estuprar as mulheres brancas quando entram em uma cidade. Os homens nunca fazem o mal tão completa e entusiasticamente como quando o fazem por convicção religiosa."

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Umberto Eco. O Cemitério de Praga (1).

Escritor, filósofo, linguista, historiador, semiólogo...gênio. Professor de semiótica e diretor da escola superior de ciências humanas na Universidade de Bologna. O primeiro livro que li deste senhor chama-se A Ilha do dia Anterior, que trata da resolução do problema das longitudes à época dos descobrimentos. Fabuloso. Depois li o genial O Nome da Rosa. Indescritível. Li ainda alguns contos. Indico a todos a leitura deste escritor. Estou iniciando agora mais um: O Cemitério de Praga. Para um gostinho. Escrito na margem da capa sobre a obra: "Ao longo de todo o séc. XIX, entre Turim, Palermo e Paris, encontramos uma satanista histérica, um abade que morre duas vezes, alguns cadáveres no esgoto parisiense, um garibaldino que se chamava Ippolito Nievo, desaparecido no mar nas proximidades de Stromboli, o falso bordereau de Dreyfus para a embaixada alemã, a disseminação gradual da falsificação conhecida como protocolo de Sião (que serviria de inspiração a Hitler para os campos de concentração)..." Começarei amanhã a ler.
Mas, para dar água na boca a vocês, transcreverei uma pequena passagem de profundidade espantosa. Ave, Umberto Eco:
"Osman Bey é um fanático e, além disso, é judeu. Melhor manter distância dele. Eu não quero destruir os judeus, até ousaria dizer que os judeus são meus melhores aliados. Estou interessado na firmeza moral do povo russo e não desejo (ou as pessoas que pretendo agradar não desejam) que esse povo dirija suas insatisfações contra o czar. Portanto, ele precisa de um inimigo. É inútil ir procurar o inimigo, que sei eu, entre os mongóis ou entre os tártaros, como fizeram os autocratas antigamente. Para ser reconhecível e temível, o inimigo deve estar em casa ou na soleira de casa. Eis porque os judeus. Eles nos foram dados pela Divina Providência, então vamos usá-los, meu Deus, e rezemos para que haja sempre um judeu a temer e a odiar. É necessário um inimigo para dar ao povo uma esperança. Alguém já disse que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas: quem não tem princípios morais costuma se enrolar em uma bandeira, e os bastardos sempre se reportam à pureza de sua raça. A identidade nacional é o último recurso dos deserdados, Muito bem, o senso de identidade se baseia no ódio, no ódio por quem não é idêntico. É preciso cultivar o ódio como paixão civil. O inimigo é o amigo dos povos. É sempre necessário ter alguém para odiar, para sentir-se justificado na própria miséria. O ódio é a verdadeira paixão primordial. O amor, sim, é uma situação anômala. Por isso, Cristo foi morto: falava contra a natureza. Não se ama alguém por toda a vida; dessa esperança impossível nascem adultérios, matricídios, traições dos amigos... Ao contrário, porém, pode-se odiar alguém por toda a vida. Desde que esse alguém esteja sempre ali, para reacender nosso ódio. O ódio aquece o coração."
Obrigado, Eco, por esse discurso prelúdio de Hitler.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Paco de Lucia

Prezo sempre os clássicos, em tudo. Concordo com a subjetividade dos gostos, mas creio que há o universalmente bom, belo, agradável, elegante. Quando eu tinha uns oito anos de idade, me deparei com um LP do meu pai de um cara chamado Paco de Lucia. Não sabia que esse "cara", Francisco Sanchez Gomes, mais conhecido pelo seu nome artístico Paco de Lucia, é um dos maiores violonistas do mundo. Ficava ouvindo incessantemente Entre dos Aguas... era, e é até hoje hipnótico. Ouçam as duas versões, ao vivo e em estúdio, e vejam se concordam.

Béjart e Bolero de Ravel.

Não tem muito o que dizer...
Maurice-Jean Berger, ou simplesmente Béjart, um dos maiores coreógrafos contemporâneos. Criou em 1961 a célebre coreografia para o lindo Bolero de Ravel. Vejam com a belíssima Maya Plisetskaya. Fascinante.
Deleitem-se.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Atrás dos frios números. Galois.

Sempre tive curiosidade de descobrir quem são as pessoas por trás das coisas que levam os nomes delas. Na matemática não é diferente. Teorema de Tales, teorema de Euler, Fórmula de Báskara, e muitos outros. Quando as estudamos, os números se apresentam de forma fria, e não nos dão o menor indício de quem foi o humano que a desenvolveu, sua história, alegrias, sofrimentos.
Apresento, então, Évariste Galois.
Nascido em 25 de outubro de 1811 em Bourg-la-Reine. Desde muito novo já demonstrava sua genialidade matemática. Seu Pai, Nicolas Gabriel Galois era o prefeito da cidade. Era um homem culto e cortês, amado pela comunidade. O retorno de Napoleão e a volta da monarquia não o depuseram do posto nesta época turbulenta da história francesa.
Foi estudar no Liceu Louis-le-Grand em 1823, onde não havia curso em especialização matemática. Eis o que os professores escreviam em seu boletim escolar:"sempre fazendo o que não deve", "piora a cada dia", "modos um tanto estranhos", "péssimo comportamento, caráter pouco aberto", "creio que tem pouca inteligência ou, em todo caso, escondeu-a tanto que não pude descobri-la". Sabia muito mais do que o suficiente para passar nas provas, mas seus cálculos e sua lógica eram tão sofisticados que os professores não conseguiam entender. Além do mais, seu ímpeto político a favor da república o tornava um rebelde de difícil temperamento. Aos dezessete anos tentou entrar para a École Polytechnique, a mais prestigiada do país, e de reputação republicana. Foi reprovado pela deficiência na prova oral. Tentou uma segunda vez, e novamente seus insights lógicos confundiram o examinador, Monsieur Dinet, sentindo uma nova reprovação a caminho, jogou o apagador em Dinet, acertando-o, e nunca mais entrou na Polytechnique.
Prosseguiu sozinho com suas pesquisas. Seu grande interesse era as resoluções das raízes das equações. E tinha obsessão pela equação de quinto grau, até então sem solução. Apresentou um trabalho à Academia de Ciências. Augustin Cauchy, o recebera, mas no dia da apresentação à banca da academia adoecera. Logo se recuperou, mas perdera o trabalho. Galois escreveu então a "Memória sobre as condições de solubilidade das equações por radicais", para concorrer ao Grande prêmio de matemática da academia. Desta vez entregou o trabalho a Fourier, o das famosas séries, porém, morreu antes de apresenta-lo à banca do concurso.
Durante esse período, 1829, chega à cidade de Galois um padre jesuíta antipático aos ideais republicanos de Nicolas Gabriel, ainda prefeito. Para depô-lo, escreveu versos e folhetins atacando os membros da comunidade, com sua assinatura. O velho Galois, não suportando a ridicularização e a fúria dos cidadãos, suicidou-se. Antes, escrevera uma carta de despedida ao filho. Em meio ao seu enterro, com Évariste presente, ocorre uma briga entre os partidários do prefeito e suas desavenças, e se transforma em tumulto. O caixão é atirado pra dentro da cova.
Pela terceira vez Galois tentaria apresentar seu trabalho à academia, em 1831. Desta vez foi recebido por Denis Poisson, que é conhecido principalmente por uma bela lei das probabilidades, examinou e escreveu o resultado: "Fizemos o possível para compreender a demonstração do Sr. Galois. Seus raciocínios não são nem bastante claros, nem bastante desenvolvidos para que pudéssemos julgar sua exatidão, e nem sequer se estaríamos em condição de dar uma uma idéia deles no parecer." Estava na prisão quando soube da reprovação da academia.
Ingressara em 1830 na Artilharia da Guarda Nacional, uma milícia republicana conhecida como "os inimigos do povo". Devido ao seu extremismo, foi preso pela primeira vez, em Saint-Pélagie, acusado de atentar contra a vida do rei, o qual passou um mês. Foi absolvido por falta de provas. Um mês depois de solto foi preso novamente, agora por seis meses. Passou a beber e tentou se matar na prisão.
Uma semana antes do fim da sentença, ocorreu uma epidemia de cólera em Paris e os presos foram soltos. Um pouco depois, ele teve um romance com Stéphanie-Felice Poterine du Motel, uma jovem noiva de um amigo político. O problema era que o "amigo", Pescheux d’Herbinville, era um dos melhores atiradores da França. Desafiou-o a um duelo. Na noite anterior, certo que perderia, escreveu uma carta ao seu amigo Auguste Chevalier. Na carta, ele faz um apanhado dos trabalhos que enviou a Cauchy e Fourier, entremeadas por exclamações de tristeza e pela amada. A carta era um resultado do seu desespero, nas margens haviam cálculos, frases como: "não tenho tempo", entre outros devaneios. Pede ao amigo, por fim, que se caso morresse entregasse a carta aos grandes matemáticos da Europa.
No dia seguinte, como era de se esperar, morreu agonizando com um tiro certeiro na barriga. Seu enterro foi uma cópia do seu pai: policiais e republicanos se enfrentaram. O ano era 1832, o dia, 31 de maio, a idade de Galois, 20 anos.
Em 1846, sua obra foi conhecida por Joseph Liouville. Reconhecendo a genialidade, passou meses interpretando aqueles cálculos. Ao terminar, divulgou os resultados, e os matemáticos da Europa se depararam não apenas com a completa explicação para resolução das equações do quinto grau, como também com aquelas dos graus acima que podiam ser solucionadas.
Galois considerou os conjuntos das raízes das equações, em vez de considera-las individualmente. Depois, estudou-as como esses conjuntos se comportavam quando eram submetidos a certas circunstâncias, transformações, substituições... A extrema novidade dessa matemática serve como atenuante ao juízo dos matemáticos que não conseguiram interpretá-la. Galois pagou o preço por estar a frente do seu tempo.
Temos muito a aprender com isso... o que fazemos quando nos deparamos com o que não entendemos, com os diferentes...?

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Três corpos de Buda e Santíssima trindade.

Algumas tradições místicas dizem que durante o período da vida de Cristo em que não é descrito pelos evangelhos ele esteve e estudou com sábios orientais. Ao lermos a história e os símbolos relacionados a Siddartha Gautama, o que se tornou Budha, o desperto, vemos vários pontos parecidos. Mas, vale a pena lembrar, Buda viveu no séc. VI antes de Cristo. Quando surge Cristo, a filosofia budista já estava bem sedimentada. Bom, quem tiver interesse pesquise mais sobre a vida de ambos... é um assunto muito longo para tratar aqui.
Então mostrarei aqui apenas um ponto bem interessante a esse respeito, que nos dá indícios de uma possível origem - se os místicos citados estiverem certos - da santíssima trindade.
Os três corpos de Buda.
Dharmakaya: o corpo dos ensinamentos, o corpo do caminho, a fonte da iluminação e felicidade. Em seu significado original: "o corpo para atingir a compreensão e o amor".
Sambhogakaya: o corpo da bem-aventurança, deleite, celebração, resultados ou recompensas.
E o mais interessante nessa comparação, para mim, é este último, nitidamente comparado ao "filho":
Nirmakaya: Shakyamuni, o Buda histórico, é o Nirmakaya, um raio de luz enviado ao mundo pelo sol do Dharmakaya para ajudar e aliviar o sofrimento dos seres vivos.
Tirem suas conclusões.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Shiva, o Deus dançarino.

Talvez o símbolo mais elegante da criação e destruição cíclica do universo seja essa imagem do Deus dançarino  do hinduísmo, uma das personificações de Brahman. Em sua mão direita superior há o tambor, símbolo primordial da criação; a segunda mão direita, espalmada significa: não tenha medo, o universo funciona dessa forma, criando e destruindo, nascendo e morrendo; a mão esquerda superior segura a chama, o símbolo da destruição, o equilíbrio entre as mãos representa o equilíbrio entre a criação e destruição; a segunda mão esquerda aponta para o pé erguido, representando a libertação da fascinação de Maya, a ignorância, o apego; além de tudo, sua face calma e tranquila, nos mostrando que tudo é ilusório e passageiro. Nietzsche já dizia que não podia acreditar em um deus que não dança. Nunca pare de dançar, Shiva!