quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Arte da Prudência - Um Oráculo Manual. Baltasar Gracián.

Tal como A Arte da Guerra de Sun Tzu, O Príncipe de Maquiavel, O Tao Te Ching de Lao Tse, este é um livro fascinante a respeito de sabedoria, diligência, trato pessoal e poder. Pouco conhecido no Brasil, estranhamente, pois segundo a Barsa é "o mais importante prosador espanhol do séc. XVI", Baltasar Gracián nasceu em Belmont de Calatayud em 8 de janeiro de 1601. Foi ingresso muito novo na Companhia de Jesus e em 1640 já era reitor dos colégios Jesuítas de Terragona e Valência. Escreveu varios livros, mas A Arte da Prudência pode ser considerado sua obra prima. Desde o séc. XVII tem sido traduzido e comentado em muitas línguas, sempre com admiração e louvor. Foi imitado por La Rochefoucauld, apreciado por muitos filósofos, entre eles Nietzsche, que afirmou que a "Europa nunca produziu nada mais refinado"; Schopenhauer o considerava "absolutamente único". Atemporal, não se dirige especificamente ao príncipe ou o cortesão, como a obra de Maquiavel, mas a qualquer homem, sem classe social definida.
Universal, indico a todos lerem esse livro com seus 300 aforismos espetaculares. Eis alguns:

5 - Criar dependência.: "Faz-se um Deus não adornando uma estátua, mas adorando-a. O sagaz prefere necessitados de si do que agradecidos. A gratidão vulgar vale menos do que a esperança cortês, pois a esperança tem boa memória e a gratidão é esquecida(...)"
7 - Não eclipsar o patrão.: " Toda derrota provoca ódio, e superar o chefe tanto é tolo quanto fatal. A supremacia é sempre detestada, em especial pelos superiores. O sábio deve ocultar as vantagens comuns, assim como se disfarça a beleza com um toque de desalinho. A muitos não incomoda ser superado em riqueza, caráter ou temperamento, mas ninguém, em especial um soberano, gosta que lhe excedam em inteligência. Trata-se, afinal do maior dos atributos, e qualquer crime contra ele constitui lesa-majestade.(...)Os príncipes gostam de ser ajudados, mas não sobrepujados. Ao aconselhá-lo, faça-o como se o lembrasse de algo esquecido, não como se acendesse a luz que ele é incapaz de ver. Os astros nos ensinam tal sutileza. São filhos e brilhantes, mas nunca rivalizam com o Sol."
19 - Não despertar expectativas.: "Aquilo que é muito celebrado raramente preenche a grande expectativa. Nunca o real pode alcançar o imaginado, porque devanear perfeições é fácil, difícil é consegui-las. O casamento da imaginação com o desejo concebe coisas sempre muito melhores do que elas são de fato.(...)Certa dose de crédito inicial deve servir para despertar curiosidade, não para empenhar o objeto. É muito melhor quando a realidade supera as expectativas, e algo se revela melhor do que imaginamos a princípio. Esta regra não vale para as coisas ruins: quando se exagera um mal, ao conhecer a realidade, aplaude-se. O que se temia como desastroso passa a ser tolerável."
28 - Não ser vulgar em nada.: "Sobretudo no gosto. Sábio é aquele que fica descontente quando suas coisas agradam a muitos! As pessoas sensatas nunca se satisfazem com aplausos comuns. Alguns são tão camaleões da popularidade que preferem o sopro vulgar da multidão do que as suavíssimas brisas de Apolo. Também não seja vulgar no discernimento. Não aprecie os milagres do vulgo, pois não passam de charlatanismo. A multidão se encanta com a tolice e não presta qualquer atenção a um bom conselho."
48 - Está mais próximo de se tornar uma verdadeira pessoa aquele que tem profundidade.: "O interior é mais importante do que o exterior. Alguns sujeitos são fachada só, a exemplo de uma casa inacabada por falta de dinheiro. Apresentam a entrada de um palácio mas o interior de choça. Tais sujeitos não lhe oferecem um lugar onde parar, embora estejam sempre em repouso, pois, concluídas as primeiras saudações, a conversa se acaba. Pavoneiam-se durante as cortesias iniciais como cavalos sicilianos, mas logo param em silêncio. As palavras se esgotam quando não são respostas pelas perenes fontes de inteligência. Tais pessoas enganam com facilidade aqueles que são também superficiais, mas não os perspicazes, que olham seu íntimo e o encontram vazio."
65 - Gosto elevado.: "O gosto exige cultivo, assim como o intelecto. Sua compreensão estimula o apetite e o desejo e, mais tarde, aviva o deleite de sua posse. Conhecemos a grandeza do talento de alguém por suas aspirações. Só algo grande pode satisfazer uma grande capacidade. Bocados grandes são para grandes paladares, assuntos elevados, para caracteres elevados. Até os mais valentes temem ante o seu julgamento, e os mais perfeitos perdem a autoconfiança. Poucas são as coisas de primeira magnitude(...) Mas não se declare descontente com tudo; trata-se da extrema tolice, mais odiosa quando por afetação do que por verdadeiro desagrado(...)"
72 - Ser decidido.: " A má execução prejudica menos que a indecisão. A estagnação estraga mais as coisas que o movimento.(...)"
84 - Saber usar seus inimigos.: "Não segure a arma pela lâmina, que será ferido, mas pelo cabo que o defenderá. E isto vale também para a competição. Quem é prudente considera os inimigos mais úteis do que o tolo considera os amigos. Pode a malevolência aplainar montanhas de dificuldades que o favor não se atreveu a enfrentar. Muitos devem sua grandeza aos inimigos. A lisonja é mais traiçoeira que o rancor, pois o rancor corrige os defeitos que a lisonja encobre. O homem prudente transforma a ojeriza em espelho, mais confiável que o do afeto, pois o ajuda a reduzir os defeitos ou corrigi-los. Deve-se ter muita cautela quando se vive lado a lado com a emulação e malevolência.
87 - Cultura e esmero.: "O homem nasce bárbaro. Redime-se da condição de besta cultivando-se. A cultura nos transforma em pessoas; e tanto mais, quanto maior for a cultura. Por isso a Grécia pode chamar o resto do mundo de bárbaro. A ignorância é rude e grosseira. E até a sabedoria é áspera quando carece de polimento. Não é apenas a inteligência que devemos apurar, mas também nossos desejos e principalmente nossa conversa.(...)"
123 - Não ser afetado.: "Quanto mais talentoso menos afetação. Trata-se de um defeito vulgar, que desmerece e é tão maçante aos outros quanto é incômodo a quem pratica.(...)
129 - Nunca se queixar.: "A queixa sempre traz descrédito. E, em vez de compaixão e consolo, exalta a paixão e a arrogância, encorajando aos que ouvem nossas queixas e nos aflige também. Uma vez divulgadas, as ofensas que nos foram feitas parecem justificar que se cometam outras.(...) A melhor política é elogiar os favores que alguns lhe fizeram, de modo a ganhar ainda mais dos outros. Comentar como os ausentes o favoreceram é como pedir aos presentes que façam o mesmo, e paguem na mesma moeda. O prudente não deve jamais divulgar o descrédito ou as desfeitas, apenas o apreço que outros lhe têm demonstrado. Assim, retém os amigos e contém os inimigos."

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