terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Quem é o dono da pureza do ar e do resplendor da água?

Caros leitores. Em 1991 me deparei com um livro sobre os índios - infelizmente não lembro o nome do livro - e havia uma carta que achei uma das mais lúcidas mensagens sobre o cuidado com a natureza que já li. Imaginei que estivesse no livro "Enterrem meu coração na curva do rio", mas já investiguei e lá não está. Aliás, todos deveriam ler este clássico sobre a história do massacre aos índios norte-americanos. É o que podemos chamar de "síndrome do emputecimento progressivo", pois a raiva se torna crescente a medida que as páginas vão sendo lidas e nos mostrando tanta crueldade e covardia.
Esta carta que aqui transcrevo, e que a achei depois de tanto tempo, foi escrita pelo índio Seathl, da tribo Duwamish, ao então 14° presidente dos EUA, Franklin Pierce, após uma oferta de compra das terras da tribo em 1855. Que retumbe gravemente nos ouvidos de todos os homens 157 anos depois!

QUEM É O DONO DA PUREZA DO AR E DO RESPLENDOR DA ÁGUA?

O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra.
O grande chefe assegurou-nos também de sua amizade. Isto é gentil de sua parte, pois
sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Porém, vamos pensar em tua oferta, se
não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe
em Washington pode confiar no que o chefe Seathl diz, com a mesma certeza com que
os nossos irmãos brancos podem confiar na alternação das estações do ano. Minha
palavra é como as estrelas – elas não empalidecem.
Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é-nos
estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água. Como podes
então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre o nosso tempo. Toda esta terra é
sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias arenosas, cada véu de
neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas
tradições e na consciência do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para
ele um torrão de terra é igual a outro. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga e,
depois de exauri-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo dos seus pais, sem
remorsos de consciência. Rouba a terra dos seus filhos. Nada respeita. Esquece a
sepultura dos antepassados e o direito dos filhos. Sua ganância empobrecerá a terra e vai
deixar atrás de si os desertos. A vista de tuas cidades é um tormento para os olhos do
homem vermelho. Mas talvez isso seja assim por ser o homem vermelho um selvagem
que nada compreende.
Não se pode encontrar a paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar
onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem da primavera ou o tinir das asas de
insetos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo
noturno ou a conversa dos sapos no brejo, à noite? Um índio prefere o suave sussurro do
vento sobre o espelho da água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do
meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho. Porque todos
os seres vivos respiram o mesmo ar – animais, árvores, homens. Não parece que o
homem branco se importe com o ar que respira.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar
os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa
ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados
pelo homem branco, que os abatia a tiros disparados do trem. Nós, os índios, matamos
apenas para sustentar nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os
animais acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual porque tudo quanto
acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo está relacionado entre si.
Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros
sucumbem sob o peso da vergonha. Não tem grande importância onde passaremos os
nossos últimos dias – eles não são muitos. Mais algumas horas, até mesmo uns
invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra sobrará para
chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança,
como o nosso.
De uma coisa sabemos que o homem branco talvez venha um dia a descobrir: o
nosso Deus é o mesmo Deus! Julgas, talvez, que o podes possuir da mesma maneira
como desejas possuir a nossa terra. Mas não o podes. Ele é Deus da humanidade inteira.
E quer bem igualmente ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele.
E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu Criador. O homem branco também
vai desaparecer talvez mais depressa do que as outras raças. Continua poluindo a tua
própria cama e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos! Depois de
abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas
misteriosas federem à gente, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águas?
Terão ido embora. Restará o adeus à andorinha da torre e à caça, o fim do viver e o
começo da luta para sobreviver.
Talvez compreenderíamos se conhecêssemos com o que sonha o homem
branco. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E
por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, é para
garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os últimos dias
conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e sua
lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do
meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós os amamos como um
recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a
como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças como era a
terra quando dela tomaste posse. E com toda a tua força, o teu poder e todo o teu
coração – conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa
sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o
homem branco pode evitar o nosso destino comum”.

5 comentários:

Recicla Leitores disse...

Linda carta.
Muitas vezes ao longo de nossas vidas esquecemos de dar o verdadeiro valor e de cuidar de nossa terra. Esquecemos de agradecer a Deus cada detalhe da natureza e nem se quer olhamos e admiramos as nuvens ou as estrela por conta de nossa correria do dia a dia.
Esta carta nos desperta para olharmos além de nossas necessidades e vida medíocre.

Anônimo disse...

Muito bom, Maneco.
Traz muitas reflexões sobre os valores de nossa cultura.
Forte abraço,
Pedro

Um outro dia disse...

"Não se pode encontrar a paz nas cidades do homem branco".. pura verdade!
você chegou a mencionar que não estava completa, mas só o que está aqui torna-se arrepiante.. muito belo!

Rosane Coimbra disse...

Adorei manel... ainda te chamo assim... rsrsrs... a pouco tpo postei a decisão de Dilma em relação ao Belo Monte, maior q CANAL DE PANAMÁ, infelizmente nossos governantes não estão nem aí p preservação do meio ambiente...qdo éramos crianças nem tínhamos conciência disso tdo né?? O q fazer?? O q esperar p as próximas gerações??? Temos é fazer nossa parte e tentar passar em diante isso tdo...e hj graças a Deus ainda estar aqui p agradecer esses momentos q a natureza nos proporciona enquanto o homem ainda não destrói totalmente

Dani Oliveira disse...

Os homens "selvagens" educam seus filhos e preservam o meio onde vivem. Os brancos delegam totalmente a educação de seus filhos a terceiros e poluem o ar que respiram, no entanto são estes que recebem o status de "civilizados".