terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Um presente dos árabes.

Chegara no ano de 773 em Madinat al Salam, a cidade da paz, Bagdá, uma caravana vinda da Índia carregada de presentes para o Califa Abu Ja'far Abdallah ibn Muhammad al-Mansur (712-775). Entre estes havia um extremamente especial.
Bagdá era uma cidade redonda. Uma muralha circular geometricamente perfeita a envolvia. No centro exato desse círculo havia a mesquita e o palácio do califa. Dessas duas construções partiam quatro largas ruas para as quatro direções da cidade terminando em quatro portões da Muralha, entradas e saídas da cidade. Por um desses portões, Khorasan, adentrara a caravana que trazia os presentes para o citado califa, o Comandante dos Crentes, descendente direto de Maomé, título supremo do Islã, que neste fim de século VIII já contava com um enorme número de fiéis entre a península Ibérica, Magreb, Líbia, Egito, Arábia, Síria, Turquia, Iraque, Irã, Cáucaso, Punjab e logo depois a Sicília.
Para essa grande população e área deveria haver, além da religião, outras formas de agregação. Era necessário sobretudo uma língua comum. Nascida no deserto e falada por poucos grupos, a jovem língua árabe era a eleita, mas era preciso enriquecê-la para que pudessem expressar as novas noções, conhecimentos, particularidades desses povos recém islamizados. Essa belíssima tarefa, "criar" uma nova língua precisava necessariamente dos livros.
Um bairro de Bagdá, el Karkh, houve o maior mercado de livros da história antiga. Obras de toda parte eram negociadas. Bagdá tornou-se a nova Alexandria. Depois de al-Mansur o lendário Harun al-Rachid,(766-809), para quem foi escrito As mil e uma noites, construiu a grande Biblioteca, herdeira legítima da egípcia. Seu filho, al-Mamun, construiu a Beith al-Hikma, a Casa da Sabedoria, um grande museu, além do observatório astronômico. Entretanto, todas as obras que chegavam à cidade ainda não eram escritas em árabe. Era preciso traduzi-las. Formou-se um vasto corpo de sábios tradutores. Tinham que ser sábios, haja vista a natureza das obras a que deviam traduzir. Imaginem que trabalho fascinate!!!... Meu deus...Traduzir textos científicos e filosóficos de todas as partes para uma língua ainda "bebê", e consequentemente, ajudando a formá-la. Vastas oficinas de caligrafia com centenas de escribas trabalhavam incessantemente para encher a Biblioteca.
Apenas para ilustrar a importância que davam ao conhecimento e aos livros: al-Mamun, (Abû al-`Abbâs al-Ma'mûn `Abd Allah ben Hârûn ar-Rachîd - 786-833) o fundador do observatório e da Casa da Sabedoria, racionalista, apaixonado por Aristóteles, reunia sábios de todas as religiões e os mantinha com extrema tolerância. Certa vez, após guerrear contra tropas bizantinas, fez muitos prisioneiros de guerra cristãos. Acordou com o Imperador Romano do Oriente a paz. Trocou os prisioneiros por livros. Entre esses, o Almagesto, tratado astronômico de Ptolomeu. Extrema elegância! Soldados por livros.
Bem...voltemos a caravana...Havia, como já havia dito um presente especial. Especial para toda a humanidade. Inclusive nos possibilitou de estarmos interagindo eletronicamente, ciberneticamente. Era o Siddhanta, um tratado de astronomia escrito séculos antes por Brahmagupta(589-668). Imediatamente traduzido, assumiu o nome árabe Sindhind. Havia na obra dez figuras geniais, de uma simplicidade majestosa, que revolucionaram o pensamento. Seus nomes: eka, dva, tri, catur, panca, sat, sapta, asta, nava...e o misterioso sunya, que em sânscrito significa "vazio". Na tradução para o árabe sunya virou sifr, depois para o latim, zephirum, e para o italiano zero.
Estava começando então, através dessas simples figuras indianas, toda uma aventura da humanidade em busca do conhecimento.

2 comentários:

Danúbia Cruz disse...

Belo texto! Adorei!!!

ORFEU disse...

É lindo de ver como coisas tão simples como os números (ou medidas de contagem) podem ter nomes tão diferentes. UM, uno, one, eka... nomes diferentes, muitas histórias, muitos significados...

Somos crianças brincando de inventar...e descobrir...só para cobrir de novo!