terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Adorável Vagabundo.

Seu pai chamava-se Charles. Era ator e cantor de music hall. Alcoólatra, morreu de cirrose em 1901. Teve muito pouco contato com seu genial filho, que tinha doze anos quando faleceu. Sua mãe, Hannah, também era atriz e cantora de music hall. Um problema de laringe acabou com sua carreira em 1894, e logo depois foi internada no asilo Cane Hill por problemas mentais. Frequentou escolas e internato para pobres e órfãos. Começou a fazer números com o irmão em music halls para sobreviverem. Eram talentosíssimos e foram para os Estados Unidos tentar ganhar a vida com espetáculos. E o mundo conheceu um novo gênio.
Não me alongarei muito nessa biografia. Estou me referindo ao ator, escritor, compositor, dançarino, roteirista, diretor Charles Chaplin. Pra mim o maior gênio do cinema.
Outro dia apresentei um dos filmes ao meu filho, então com oito anos. Percebi que ele ria da mesma forma que o fiz quando eu tinha seis, minha primeira lembrança de "O garoto". Hoje em dia, do alto de toda a tecnologia cinematográfica, percebemos a marca do gênio: ele é atemporal. A simplicidade de produção, a falta (até determinada época) de fala, de coloração, torna-se mero detalhe. O talento se sobrepõe à limitações tecnológicas, e também ao tempo.
Com sensibilidade magnífica, consegue nos fazer rir e chorar diversas vezes em um mesmo filme.
Eis aqui as palavras de outro gênio, Carlos Drummond de Andrade em Canto ao homem do povo:

Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.
Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.
Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.
Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.
Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração,
os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos,
os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.
E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.
(...)ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.

Sir Charles Spencer Chaplin, onde quer que esteja, nós, homens-meninos, te agradecemos!


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