quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Atrás dos frios números. Galois.

Sempre tive curiosidade de descobrir quem são as pessoas por trás das coisas que levam os nomes delas. Na matemática não é diferente. Teorema de Tales, teorema de Euler, Fórmula de Báskara, e muitos outros. Quando as estudamos, os números se apresentam de forma fria, e não nos dão o menor indício de quem foi o humano que a desenvolveu, sua história, alegrias, sofrimentos.
Apresento, então, Évariste Galois.
Nascido em 25 de outubro de 1811 em Bourg-la-Reine. Desde muito novo já demonstrava sua genialidade matemática. Seu Pai, Nicolas Gabriel Galois era o prefeito da cidade. Era um homem culto e cortês, amado pela comunidade. O retorno de Napoleão e a volta da monarquia não o depuseram do posto nesta época turbulenta da história francesa.
Foi estudar no Liceu Louis-le-Grand em 1823, onde não havia curso em especialização matemática. Eis o que os professores escreviam em seu boletim escolar:"sempre fazendo o que não deve", "piora a cada dia", "modos um tanto estranhos", "péssimo comportamento, caráter pouco aberto", "creio que tem pouca inteligência ou, em todo caso, escondeu-a tanto que não pude descobri-la". Sabia muito mais do que o suficiente para passar nas provas, mas seus cálculos e sua lógica eram tão sofisticados que os professores não conseguiam entender. Além do mais, seu ímpeto político a favor da república o tornava um rebelde de difícil temperamento. Aos dezessete anos tentou entrar para a École Polytechnique, a mais prestigiada do país, e de reputação republicana. Foi reprovado pela deficiência na prova oral. Tentou uma segunda vez, e novamente seus insights lógicos confundiram o examinador, Monsieur Dinet, sentindo uma nova reprovação a caminho, jogou o apagador em Dinet, acertando-o, e nunca mais entrou na Polytechnique.
Prosseguiu sozinho com suas pesquisas. Seu grande interesse era as resoluções das raízes das equações. E tinha obsessão pela equação de quinto grau, até então sem solução. Apresentou um trabalho à Academia de Ciências. Augustin Cauchy, o recebera, mas no dia da apresentação à banca da academia adoecera. Logo se recuperou, mas perdera o trabalho. Galois escreveu então a "Memória sobre as condições de solubilidade das equações por radicais", para concorrer ao Grande prêmio de matemática da academia. Desta vez entregou o trabalho a Fourier, o das famosas séries, porém, morreu antes de apresenta-lo à banca do concurso.
Durante esse período, 1829, chega à cidade de Galois um padre jesuíta antipático aos ideais republicanos de Nicolas Gabriel, ainda prefeito. Para depô-lo, escreveu versos e folhetins atacando os membros da comunidade, com sua assinatura. O velho Galois, não suportando a ridicularização e a fúria dos cidadãos, suicidou-se. Antes, escrevera uma carta de despedida ao filho. Em meio ao seu enterro, com Évariste presente, ocorre uma briga entre os partidários do prefeito e suas desavenças, e se transforma em tumulto. O caixão é atirado pra dentro da cova.
Pela terceira vez Galois tentaria apresentar seu trabalho à academia, em 1831. Desta vez foi recebido por Denis Poisson, que é conhecido principalmente por uma bela lei das probabilidades, examinou e escreveu o resultado: "Fizemos o possível para compreender a demonstração do Sr. Galois. Seus raciocínios não são nem bastante claros, nem bastante desenvolvidos para que pudéssemos julgar sua exatidão, e nem sequer se estaríamos em condição de dar uma uma idéia deles no parecer." Estava na prisão quando soube da reprovação da academia.
Ingressara em 1830 na Artilharia da Guarda Nacional, uma milícia republicana conhecida como "os inimigos do povo". Devido ao seu extremismo, foi preso pela primeira vez, em Saint-Pélagie, acusado de atentar contra a vida do rei, o qual passou um mês. Foi absolvido por falta de provas. Um mês depois de solto foi preso novamente, agora por seis meses. Passou a beber e tentou se matar na prisão.
Uma semana antes do fim da sentença, ocorreu uma epidemia de cólera em Paris e os presos foram soltos. Um pouco depois, ele teve um romance com Stéphanie-Felice Poterine du Motel, uma jovem noiva de um amigo político. O problema era que o "amigo", Pescheux d’Herbinville, era um dos melhores atiradores da França. Desafiou-o a um duelo. Na noite anterior, certo que perderia, escreveu uma carta ao seu amigo Auguste Chevalier. Na carta, ele faz um apanhado dos trabalhos que enviou a Cauchy e Fourier, entremeadas por exclamações de tristeza e pela amada. A carta era um resultado do seu desespero, nas margens haviam cálculos, frases como: "não tenho tempo", entre outros devaneios. Pede ao amigo, por fim, que se caso morresse entregasse a carta aos grandes matemáticos da Europa.
No dia seguinte, como era de se esperar, morreu agonizando com um tiro certeiro na barriga. Seu enterro foi uma cópia do seu pai: policiais e republicanos se enfrentaram. O ano era 1832, o dia, 31 de maio, a idade de Galois, 20 anos.
Em 1846, sua obra foi conhecida por Joseph Liouville. Reconhecendo a genialidade, passou meses interpretando aqueles cálculos. Ao terminar, divulgou os resultados, e os matemáticos da Europa se depararam não apenas com a completa explicação para resolução das equações do quinto grau, como também com aquelas dos graus acima que podiam ser solucionadas.
Galois considerou os conjuntos das raízes das equações, em vez de considera-las individualmente. Depois, estudou-as como esses conjuntos se comportavam quando eram submetidos a certas circunstâncias, transformações, substituições... A extrema novidade dessa matemática serve como atenuante ao juízo dos matemáticos que não conseguiram interpretá-la. Galois pagou o preço por estar a frente do seu tempo.
Temos muito a aprender com isso... o que fazemos quando nos deparamos com o que não entendemos, com os diferentes...?

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